Obra e alteridade do autor

"Minha alma hoje está singelamente desassossegada de uma tristeza serenante que faz querer chorar sem ter lágrimas para isso. É minha antiga dor suave que não desejo separar-me algum dia...

Embalo-me em sua constelação como a um filho no colo da mãe e fico assim... esquecido, longínquo a olhar pra lugar nenhum, apenas sentindo esta dor tranquila como o dia que morre silenciosamente junto ao passamento da vida que lá fora fervilha sob o sol quente do cerrado...

Por instantes passa-me pela alma uma impressão mística de tudo ser expressão de um único mistério pelo qual todas as coisas expressam a presença sagrada do impossível através do inútil... por instantes eu encarno o silêncio que se houve nas profundezas do céu de azul mudo...

por instantes...

passou...

Aqui, livre da ignorância dos sábios, longe da loucura dos sóbrios, protegido da maldade dos bons, abraço-me à minha tristeza serenante e com ela faço estes versos sem rimas nem noção, não para dar-me alento ao que sinto, e sim, pelo simples prazer de sentir...

Ontem chamaram-me de pessimista trágico... mas estavam errados, sou apenas triste... minha alma púrpura de tons de melancolia amarela não fora dada a mim por Deus nem pelo Acaso, é minha mais nobre criação, meu tesouro no qual ergo-me como rei do trono de papel e senhor do cetro da poesia... eu fugi de todas as determinações, de todos os acasos. Sonhar é Destino...

Tudo quanto quis ser não passou de ilusão, jamais desejei nada deste mundo que fizesse valer a pena o sacrifício; tudo quanto sou são ruínas de velhos sonhos vendidos pelo mundo; por faltar-me a fraqueza para abdicar, sem a força de querer, fiquei à margem do mundo como a um mendigo orgulhoso que não aceita esmola de ninguém... tenho ao menos a minha triste alegria de poder cantar no poleiro como o galo que canta antes de ser abatido. Assim eu me fiz mendigo e rei de mim. Assim eu me fiz só com o mundo dentro, sonhando sem alento o universo onírico da tristeza minguante..."

Releio o que escrevo e já não sinto o que aí vai sendo dito, o que aí está é outro. Apenas em fluxo posso sonhar de sentir, como espectador estou separado de mim, não me reconheço, EU SOU apenas na condição de alteridade, sou sempre o outro que desconheço. Vejo-me e não sou eu, conheço-me e não sei quem sou. Nós estamos em Deus, mas Deus não está em nós. A obra só têm sua existência própria na metáfora da qual ela é expressão, para além do texto nada existe senão:

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Fiódor
Enviado por Fiódor em 25/07/2023
Reeditado em 25/07/2023
Código do texto: T7845619
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