Alteridade subjetiva

Receio que a Iluminação não seja para mim; me apeguei a dor, a esta dor intelectual que me consome e alimenta meu espírito com ilusões doloridas que não chegam deveras a doer em si; apenas o personagem em que me figurei sente o que eu, embrulhado a ele, não sinto porque não sou eu. Sonho sem ilusões...

Eu próprio me perdi de mim, tornei-me figura lida, confundo-me a realidade com o sonho, sonho de ninguém sonhando; fiz da vida um teatro para poder ser senhor de mim mesmo, tirei-me a ferros do meu útero, inventei-me para fugir das celas do ser e não-ser... e somente através da dor, dor esta que não existe, dor mentida, onírica, teatral, eu posso continuar a (in)existência da minha fábula universal...

Por medo de Deus eu me refugiei na Terra do Nunca; semelhante aos místicos que transcendiam o apego à matéria, assim eu também a transcendia por vinhas próprias e indiretas - pois, como posso ter medo de perder o que nunca fui? Compreendem minha loucura, minha ventura?

Sou um místico ao avesso, um artista louco, uma criança no corpo de um homem que não amadureceu, e que, por amor à Arte, não conseguiu nem abdicar do mundo nem o querer de todo; agora, nada posso fazer de mim senão sonhar, sonhar sem realizar, pois se o fizesse, se fosse possível fazer, eu me mataria, pois realizar é matar; e eu não quero deixar de sonhar, quero apenas sonhar que sou meu próprio Deus...

Eu sou o Pinóquio que ganhou vida pelo toque mágico da varinha da Arte...

Abandono hoje a bolha dos sábios para viver na ilusão; abdico agora, de uma vez por todas, do desejo pela iluminação. Sou poeta, sou louco, sou artista, mas sábio, não...

Quem fui já me esquece, quem sou não me lembro, sou vários personagens sem um rosto que os veste - sou o abismo, o terrível abismo das alteridades...

Encontro-me e não sou eu, vejo-me e não sei quem sou... o que eu procuro - é o que eu procuro...

Esta é minha dor.

Qual é a sua?