Dissolução - Tituba

"Acordei e ao tatear o interruptor a luz não se acendeu, tampouco o sol invadiu o quarto quando o dia amanheceu.

Ao evadir- me de sonhos intranquilos, encontrei-me metamorfoseada em uma casca vazia e repugnante.

Nos arredores, eu sentia toda a anatomia de um dia, mas a claridade do mundo parecia morrer em meus olhos.

Ninguém me dera a luz, de certo, eu ainda não havia nascido, estava em um estado de porvir, este em que as coisas

jazem diluídas no plano mental.

Ah, o sol estava adormecido em algum lugar dentro de mim, do contrário, por que meus pensamentos suariam tanto?

Como uma hóstia o engoli e sua claridade difusa ofuscou minha cor e empalideceu minha existência."

Na manhã em que perdi minha visão, os demais sentidos apuraram-se de tal maneira, que eu podia sentir a vida se decompor em minha carne.

Ao tocar os objetos, cada um respirava e lentamente apartava-se de sua utilidade para enfim existir de forma inumana.

Assim, restava-me buscar pela referência das formas em minha subjetividade

já colonizada.

Ah, foi num ritual que sacrificaram minha individualidade e apagaram o contexto em que cultivei meus olhos.

Como explicar-lhe que as formas do mundo conhecido engendravam-se em sentimentos e sombras?

Como explicar-lhe que em meio a louvores e preces eu tive minha alma apagada?

A deus confessei o que jamais vi ou fiz, pois a luz deformante testemunhava contra mim.

Esparsa e dissoluta, fundi-me aos canteiros do esquecimento, completamente vazia.

Ninguém testemunhou meu lento desaparecimento - era dia e como um ser humano eu já não existia.

- Letícia Sales

Perfil literário: @hecate533

Letícia Sales
Enviado por Letícia Sales em 18/07/2023
Reeditado em 19/07/2023
Código do texto: T7840184
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