Animismo obscuro

Desceu sobre mim o meu antigo pesadume como uma pesada impressão de trevas que turva minha alma n'um sufocamento da inteligência... O dia ensolarado é abafado pela percepção macabra da presença do mundo; busco um alívio nestas palavras afim de entreter-me da consciência. Mas sem sucesso... como poderia entreter-me de mim mesmo?...

Ouço o canto do galo que chega-me à consciência vindo de algum lugar que não vejo e tenho a impressão pavorosa de que tudo está fluindo dentro de uma dimensão na qual sou o espírito que lhe dá existência, como se eu próprio, para além de ser e não-ser, fosse o sustentáculo de todas as coisas, paisagem de mim mesmo...

Para todo lugar que olho encontro essa impressão universal como se uma testemunha se ocultasse sob as coisas, e chego a pensar se não seria o vácuo de minha alma em ressonância com minha inteligência...

Sinto medo de todas as coisas, o silêncio ensurdecedor apavora-me, o mundo é uma coisa viva encarando-me do abismo celestial, um olho invisível que me observa de todos os lados, inclusive de dentro...; tento concentrar-me em alguma coisa mas tudo inspira o mesmo mistério sufocante... Este silêncio de morte é uma presença em mim, uma ausência cheia de um sentido para o qual eu ainda resisto ouvir. Eu fujo, escrevo para dar atenção à minha mente mesmo que seja falando sobre o que me corrói. Sinto, como um presságio, um pavor de enlouquecer, pois tenho a impressão que se não puder mais escrever irei morrer, já não digo biologicamente, mas em alma, despedaçado pelo silêncio como a um peixe triturado entre os dentes de um demente...

Fiódor
Enviado por Fiódor em 18/07/2023
Reeditado em 18/07/2023
Código do texto: T7839761
Classificação de conteúdo: seguro
Copyright © 2023. Todos os direitos reservados.
Você não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida permissão do autor.