Saudades que eu gosto de ter

Amanhece... pela janela vejo as poucas buganvílias ainda em flor... um colorido esmaecido que, dentro em breve, dará lugar a galhos secos. O outono acabou e o dia começa a acordar, frio e preguiçoso, às vezes azul, às vezes pardacento, como hoje, a princípio, mas depois, geralmente, chega um sol morninho, meio tímido, ou então, cai uma chuvinha amiga. Eu e minha companheira insônia, muitas vezes, testemunhamos este belo espetáculo invernal... eu metida num casaco grosso, naturalmente, de meias e com minhas indefectíveis pantufas com a cara do Taz... quanto à insônia, bem... ela não sente frio.

Nestas noites insones, como num filme, passam diante dos meus olhos as lembranças do que vivi... abre-se a minha caixa da aurora (a minha não é a de Pandora) e dela pulam recordações de amores e de dores, das minhas viagens e aventuras, das minhas paixões, das ilusões que construí, dos sonhos vividos e daqueles que não se tornaram realidade... que quase foram, sem nunca realmente terem sido. Paixões idealizadas, irrealizadas que ficaram pelo caminho, mas que não saíram da minha mente e, recorrentes, voltam a habitar meus pensamentos. E se eu tivesse ido ao encontro pretendido? E se eu tivesse embarcado nos planos tão bem urdidos? Pois é... sinto saudades do que não é, do que não foi , do que poderia ter sido, mas não foi concluído. Esses passeios mentais não me trazem desassossego; são como nuvem de algodão doce, macia, cor de rosa, que me traz alegria, um quê de nostalgia, mas me enche de contentamento e paz.

Ainda bem que tenho um baú cheio de lembranças, de alegrias e melancolias (faz parte)... de amores vividos de verdade e de outros tantos, estranhos que, como devaneios, embora tão palpáveis, nunca puderam ser tocados, efetivados, experimentados ao vivo. Não houve pele sobre pele, boca sobre boca...não houve longos beijos e abraços apertados, a não ser na imaginação, mas houve um poderoso encontro de almas, com corações aquecidos e fervilhar de desejos profundamente sentidos.

Talvez tudo isso não pareça racional, mas não me importo com o que possam pensar. Estas saudades preenchem meu vazio, aquecem meu frio nestas madrugadas insones... estas saudades me fazem viajar e imaginar o que teria sido viver essas paixões que apareceram como atalhos na estrada da minha vida e que, como retalhos, integram a colcha das minhas vivências, da minha existência, do que sou enfim. Acho que, sem elas, a vida teria sido chata e por demais rotineira, então, eu as guardo na minha caixa da aurora e elas são, com certeza, saudades que eu gosto de ter.

Ouvindo Roberto Carlos - Outra vez ❤ (letra)

https://youtu.be/ED9tkcGmHZE