VENTO NEGREIRO (prosa poética) (documentário)

Do ponto de encontro em algum lugar entre Cabo Verde e Boa Esperança, elas chegam dos interiores como Brisas-Coletoras que buscaram algo junto aos sudaneses como os iorubás, nagôs, jejes e minas.

Tornaram-se preciosas Brisas-Coletoras para os fulos e mandês, além das que se batizaram Coletoras das indagações Banto vindas dos angolas, congos, cambindas, benguelas e moçambiques.

Na realidade, são Coletoras-Mensageiras das perguntas que nunca se calam dos lamentos doloridos, indagações aflitas e perenes da prima-nação na criação do planeta Terra. Assim que cumprem o papel necessário, ajuntam-se e vorticelizam-se, e vorticosas fazem-se para necessário ser o Vento Sagrado, só que sem velas negreiras para soprar, sem corpos negros mortos para se ver jogando e jogados ao mar.

Serão único vento e forte, pois soprarão no dolorido caminho percorrido, carregado e pesado de Verdades dos povos escravizados por patrícios gananciosos; pesado das indagações dos seus descendentes que aguardam esperançosos ao único possível retorno. A ser forte, o suficiente, para levantar as ondas das procuras incertas dos perguntares:

— Onde estão? Como estão? Quem são?

A própria mãe África responde sempre esperançosa: ― Os meus eternos filhos, ora!

Tornar-se forte-vento, pois estará carregado também das lágrimas de outrora, que os séculos jamais secarão; lágrimas densas, que jamais rolaram de alegrias em faces negras. Não era dado chorar. Era necessário se mostrar, embora escravo, resoluto perante um destino desconhecido e amedrontador.

A se lançar mar adentro ecoando ainda gritos das injustiças seculares impregnadas no passado, cumprindo assim o destino: Chegar à costa e bater no pau-brasil que nunca se enverga. Logo...

Aqui se dividir novamente em brisas preciosas para melhor ser ouvido, espalhando-se mansamente território brasileiro adentro —farfalhar, finalmente — para serem acolhidas como súplicas e lamentações dos negros como sussurros trovejados de gritos enviados de lá:

— Onde estão os nossos descendentes negros dos negros aprisionados aqui, lançados em porões imundos, acorrentados, escravizados, humilhados e violentados? — Perguntaram quando da passagem da Brisa-Coletora lá, os sudaneses dos dialetos iorubas, nagôs, jejes e minas.

Mais perguntas aflitivas foram feitas:

— Como está o sangue dos nossos sangues, daqueles que sob grilhões nefastos e hediondos foram pais dos pais daí, mas aqui tirados jovens filhos ainda transvestidos de crianças guerreiras aprendizes, e por terras tupiniquins espalhados em vastas distâncias? Que homens e mulheres se tornaram agora já livres? Estão realmente livres? Que pais de homens se tornaram? Que filhos geraram? ― Afoitamente inquiriram, veementemente, na eterna ansiedade dos séculos vividos sem os seus entes queridos; os fulos e mandês.

Com sofreguidão pelo aguardo de boas respostas, inquiriram também:

— Retornarão para cá, para terra africana, para o colo de Mãe África, para as terras dos seus direitos adquiridos, para suas ancestralidades protegidas por nós no aguardo de todos que querem reassumir suas condições natas de guerreiros negros? Seus lugares estão guardados.... ― Bradaram para a Brisa o Banto todo, com suas vozes sábias de povo milenar como angolanos, congos, cambindas, benguelas e moçambiques.

E...

Todos os negros brasileiros nunca se envergaram como arabutãs, pois são desde outrora forjados no orgulho duma raça que mesmo numa horrenda escravidão, não se derrotaram jamais. Cada um ouve a sua mensageira e enviarão como respostas as histórias de antepassados. Relatarão suas agruras e seus descontentamentos, e reveses, mas com novas palavras criadas de dialetos nascidos nas suas alegrias, também.

Além...

Dançarão atuais ritmos em culturas e sabedorias adquiridas para as Brisas-Coletoras acolá de quem pergunta pelas suas belas histórias, para elas que logo mais se ajuntarão entre São Vicente e Porto Seguro, logo após retornos dos longínquos rincões que nos abrigam ― exatamente nós os descendentes negros aqui e procurados lá num além-mar ―, para novamente se fazer sopro único e forte outra vez no oceano, agora pesado pelos relatos da raça negra brasileira.

Retornam, criando turbilhões até nas águas do passado, extirpando o seu lado sombrio. Chegarão triunfante à raiz negra, por Cabo Verde e Boa Esperança, entre seus limites, para como brisas novamente se dividirem. Espalharão pela África com o nome de Brisas-Contadoras-das-Histórias-do-Novo-Povo que falam com carinhos da nação africana que no Brasil fincou partes das suas raízes, mandando orgulhosamente suas respostas...

Respostas de uma parte da mesma nação Mãe África, única, embora distante. Respostas dos seus descendentes daqui, com uma própria maneira de viver: Ímpar... com o mesmo orgulho... de ser negro com dupla nacionalidade:

— Africana e brasileira. 

Arabutã Campos
Enviado por Arabutã Campos em 15/07/2023
Código do texto: T7837482
Classificação de conteúdo: seguro
Copyright © 2023. Todos os direitos reservados.
Você não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida permissão do autor.