Poemas sérios
Poemas sérios (*)
Chegou-se, num dado momento, para o doutor em tom confessional:
- Tenho poemas sérios, doutor...
- Sério? Problemas sérios do quê?
- Problemas não, poemas mesmo. Poemas. Sérios. E está aí parte dos meus problemas.
- Acho que não entendi, nobre poeta...
- Naturalmente que não, minha linguagem nem eu entendo, porque é metrificada, rimada, escansionada, e de tanto eu me comunicar assim por tanto tempo, ironicamente me perdi em sentidos literais, quando não em jograis, e minha escrita tonou-se séria e enfadonha, hoje ela simula, sonha, mas muito pouco realiza tudo o que mentaliza. Poemas sérios. Sérios poemas.
- Estou tentando acompanhar teu raciocínio, mas tal não me permite meu escrutínio...
- Simplificando, digo apenas isto: não consigo rir mais, tudo me entra nos ouvidos com pesar ou melancolia, rimando cada sentido com um novo zumbido e, para piorar, só consigo me expressar calculadamente, em versos, em rimas, em sons combinados, fingindo que sinto dor mesmo não sendo fingidor... ou sendo... acho que não estou me reconhecendo.
- Pessoa do céu, tu finges ou não finges?
- Já não sei mais, doutor, e o que me traz aqui é o final de todo fingidor, que termina em dor: eu busco paz para continuar a fazer aquilo de que sou capaz: poemas. Mas não sérios. Nem problemas.
- Isso é uma questão de difícil tema. Ou teorema. Talvez tu precises de uma licença poética.
- Sim, trata-se de uma crônica questão. E como questão crônica que é, só o tempo há de dizer o que, dia após dia, fazer.
- Por falar nisso, acabamos nossa sessão, não me leve a mal.
- Não, não o levo, só peço que me releve um pouco (ainda que me ache ou não meio louco), porque não é leve a pena de quem escreve, ainda mais para um poeta empacado em humor mal-humorado.
- Estás é farto, mas teu faro só enxerga o copo transbordando por mendicância de espaço no copo, não por abundância de líquido. Deixa de te autossabotar. Poeta, precisas de nova meta: deixa de lado o fardo do teu melancólico fado e procura, criatura, a perfeição do Criador maior, falta-te apenas equilíbrio, porque já tens o livre-arbítrio.
- Agradeço seu conselho, doutor, agora permita-me voltar à lida.
(*) Ao me inspirar com a expressão "sérios poemas", lembrei de ter lido algo assim, não lembrava se era o título de um livro ou o trecho de um poema. Pesquisando na internet, vi que o que memorizei foi um trecho do título do livro "Eu tenho sérios poemas mentais", do escritor Pedro Salomão, escrito e publicado antes de eu me inspirar e escrever a presente crônica (no dia do meu aniversário, 07/07). Dizem para não julgarmos um livro SÓ pela capa, mas, só o título do livro de Pedro Salomão já é um convite à leitura, fiquei muito curioso em ler o livro desse escritor, além de ter guardado de cor um trecho do título, mas que se registre: esta crônica não tem intertextualidade com o conteúdo do livro de poemas de Pedro Salomão, pelo menos não intencionalmente nem formalmente, já que ainda não adquiri o livro desse autor para ler. :)