OLHO D´ÁGUA NA RUA DE MINHA INFÂNCIA
Eu amava a lágrima silenciosa de teu fio d´água.
Amava as avencas delicadas que brotavam e cresciam nas frinchas de tuas pedras limosas, os líquens frágeis que teimavam em voltar a cada inverno, todos protegidos pela sombra úmida e silenciosa dos arbustos que te cobriam. Na estação fria, vez em quando um raio de sol penetrava essa intimidade quase indevassável.
Amava aquela carioca de minha infância, não esta que revejo agora, após longa ausência. Estás feia, suja, poluída. A municipalidade, num arremedo de paisagismo, querendo dar-te feição mais moderna, deu a ti esta face sem identidade, de pedras e plantas que contigo não se casam, espécies estranhas a tua origem e ao teu singelo nascedouro.
Sumiu no tempo, exauriu, finou-se minha velha carioca dos tempos de criança, donde vezes sem conta apanhei água para a limpeza da casa de vovó Mariquinha. Para beber, usávamos água de um poço fundo e coberto que ficava em uma edícula nos fundos da morada.
Carioca: era como o povo chamava a fonte d´água junto à rua Henrique de Almeida Senior, defronte à casa de minha avó em Curitibanos – SC. Era pública e de lá qualquer um podia levar esse bem para sua residência, naqueles tempos em que água encanada era ainda um luxo para poucos.