O nauta de penico que sonhava
Eu naveguei pelos confins desse mundo, comendo os farelos dos pães que um sujeitinho mal-acabado e chifrudo houvera sovado. A minha nau não passava de um penico velho, enferrujado, furado e sem alça, com uma vela, ínfima, e de pano roto. Sem leme, estive por anos à deriva, ao léu dos dissabores: de todos eles. A água era tão pardacenta e lamosa que causava asco até às ondas, cujas cristas mais lembravam um espesso vômito que espuma. Os peixes – e eu assim os denominava por mera nostalgia – causavam um espetáculo estrondoso de putrefação e escamas retorcidas. Sentia-me ali como o que se haveria de sentir ali, se houvesse uma consciência de merda, mas com uma bagagem pesada demais para boiar – como boiam tipicamente os dejetos em penicos. No ápice dessa jornada nefasta, eu estava convencido de que os albatrozes haviam lançado sorte sobre a minha surrada e impregnada cueca. Era certo que a metade do sentido da vida houvera sido perdida, naquele amarfanhado estágio. Então, agarrei-me de unhas compridas e de resto de dentes ao pouco que ainda me sobrava: os meus sonhos. Naquele pesadelo de vida desperta, qualquer sonho mau era bom demais. Sonhando, eu nunca perdi a outra metade do sentido, que era a melhor delas, nem mesmo para o mais tinhoso dos padeiros.