SAUDADE DOS VIVOS
(dedicado a Jandir João Zanotelli, professor; guru de humanidades)
Após algumas passageiras madrugadas, madruga-te enquanto persiste o tempo bom: algum calorzinho temporão.
Sei por mim, joelhos rotos de tantas passadiças invernias. É bom nem contar quantas para não lembrar o agosto dos velhos... Ossos, coluna e joelhos doem mais, a alma se torna empedernida, encarangada, por vezes.
Canta-se à boca chiusa, roem-se próteses, dentes; seca o ar, orvalhos, ventos, chuvas. Pés frígidos.
Sob a pele, humildes, renovam-se as resilientes tartarugas de tristura, a par do paciencioso canto sazonal à espera das primaveras.
É inexorável o desejo de que o taciturno solzinho dispense as grossas camisas, ceroulas, sobretudos, ponchos, mantas, meias de lã e pesados sapatos.
O mate-chimarrão de boa erva estará à espera e algum bem-dotado vinho deitado num canto debaixo da escada, matura-se para o madrigal dos menestréis.
Cuidemos de que o tempo não escoe a verve, deixando a boca seca, amarga. Pássaro em terra, placidez no ninho.
A vontade de voar pela palavra, menina tagarela, chupa e lambe os dedos com desejos de escutar. Pássaro no ninho, placidez em terra.
Matemos a lágrima que surta os neurônios, derreada de geadas ao orvalho de sonhar, a beber encontros e fugas. Pássaro insensato fazendo ninho, enterra a fantasia.
Que surja, então, o presencial brinde: é agridoce estar ainda por essas plagas de vivaz natureza, sentimentos, culpas.
O punho do Absoluto verte a dádiva no denso abraço da via crucis.
MONCKS, Joaquim. O CAOS MORDE A PALAVRA. Obra inédita em livro solo, 2023.
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