CANTADOR FORA DE HORA (prosa poética)
Ele gritou, duas, três, quatro vezes: “Bom dia! Sálvio Sérgio.”
No meio do terreiro, emplumado de peito aberto, pensando ser belo como pavão na passarela do samba em dia de desfile. Até canta bonito e feliz.
É o alvorecer de outono indo e de inverno chegando...
O ar? geladinho, geladinho!
O amanhecer? pedia cama e a cama por mim implorava.
Então, balbucie com carinho:
— Preta, minha linda! Um só favor, “tá” bom?
— O quê? — respondeu aquela vontade de permanecer grudada na minha costela quentinha de verão eterno.
— Vá ao terreiro e derruba da cerca aquele garnisé sem tamanho, que mal dá conta das galinhas e fica cantando de carijó pedrês pensando que é um forte guerreiro guarani.
Ela não foi...
Não me obedeceu...
Senti-me um galo sem autoridade...
Porém...
Como prêmio, abraçou-me tão gostoso, aumentando a temperatura sob os cobertores, inclusive a do ar rodeando que foi ficando quentinho, quentinho.
Decidi:
“Que ele cante seus bons-dias! a manhã toda. Que espalhe com seu canto o meu Bom-dia para todos do Universo, também”
E ouvindo o canto no terreiro, eu e ela vamos compondo, sob as cobertas, uma bela sinfonia.