Tudo novo, tudo velho (ou o ciclo perverso da história)
E o sujeito ruminava suas inverdades e seus ódios. Sem medir palavras e sem mira certa, todos eram suas vítimas e alvos. Despótico até às entranhas, não distinguia nada para além até onde seus braços alcançavam. Era um tirano, um tirano, como outro qualquer tirano, sedento de sangue e territórios alheiros.
Por noites e noites e dias sem descanso, tão logo da mesa farta se levantava, corria, sem modéstia tirânica, ao campo do vastoso castelo, e, senhor de vidas e mortes, sem olhar a quem ou por quê, com inestimável desdém, aquele! Tudo ruía para a pobre criatura naquela cinzenta manhã. E tudo era só silêncio. Nem um ranger de galhos, nem o leve toque da lesma sobre a folha, nada, além do mortífero silêncio, nada mais que nada, que as patas da formiga fosse capaz de tilintar um tímido nesga de som àquele habitat. Não. Nada mais sinalizava um fio de vida.
E eis, eis na muralha protetora, como quem protege deuses do Olimpo, o soldado, pobre em toda sua pobreza de soldado, que dispõe seu tempo e vida para que o tirano, em toda sua tirânica existência, possa, ele, sem receio de nada lhe atingir, possa, descansar nas felpudas mantas de pele macia. E desfrutar do sono sob vigilantes olhos de pajens e serviçais ignorados, porque pajens e serviçais. Assim é, assim tem sido. A roda da história não para, e reproduzido até nossos dias, há tiranos em outras formas de realiza. Há tiranos nas mais excelsas, e seletas, repartições. Tudo muda para nada mudar, essa é a razão fundante dessas novas e repaginadas tiranias.
Igual aos exemplares de outrora, no modo de ver e no desdém aos serviçais, os novos tiranos, vestem seus caros e importados termos. Não andam de carroças puxadas por robustos e belos cavalos, sangue puro, como se diz nos atuais dias para diferenciar esses da plebe. Transitam em carros luxuosos, habitam espaçosas salas e comem os melhores cardápios. Eis a nova razão de existir os selecionados, outrora reis escolhidos pelos céus e ungidos por Deus, nesses nossos tempos modernos, magnânimas almas ungidas pelo Código. Tudo novo, tudo velho, eis a mudança não mudada, tudo igual como tinha que ser. Alterar para continuar o mesmo. Eis o quadro. Eis a história recontada, eis o triste retrato de uma sociedade que se mantém, e se reafirma, numa lógica mais que perversa, numa lógica assassina de sonhos e gerações.