DO TEMPO E SUA LINGUAGEM

Deito na calçada. Sinto-me um tapete usado. Penso demoradamente sobre o assunto e assumo formato e conteúdo. Passo a ser, a partir deste momento, um velho tapete estendido no chão. Cochicho aos mais íntimos neurônios: de acordo com o sonho que ocupou boa parte da noite de ontem, a vertente do Mistério, de quem creio ser arauto em nome da felicidade pessoal, tal peça deverá pretender inédita utilização de meus dados e atitudes, também a decorrente avaliação de resultados. Fico a observar que exposto ao clima vou acumulando a lama dos dias chuvosos e a areia entranhada. Os dias ensolarados não deixam marcas sobre os fios do tapete, porém evitam o mofo, o apodrecimento e o mau cheiro antes de plausível previsão. No entanto, de todos os passos sobre mim restam tatuagens. O tempo lavra o seu trajeto. Do amar, fica sempre a moldagem da sola gasta. E, estranhamente, neste exato momento o velho e sujo tapete parece flutuar, denso de humanidades, começando a se desdobrar aos efeitos dos sentimentos. Cada pegada sabe das inúmeras e vigorosas palavras do alfabeto de convívio.

MONCKS, Joaquim. O CAOS MORDE A PALAVRA. Obra inédita em livro solo, 2023.

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