Essa Gente Sem Coração

Não me conformo com essa gente tão sem coração. Essa gente que planta em palavras aquilo que nunca põe na prática. Elas chegam assim, de mansinho, dizem tudo bem, eu não sou dessas pessoas irresponsáveis com o sentimento alheio. Eu não vou brincar com tuas expectativas. E aí você pensa, tudo bem, talvez eu confie no que você diz. Talvez não. É como um desafio, o não, o talvez, o não sei; desperta nele o modo Don Juan. Então ele te cerca, te conhece, te conquista aos pouquinhos pra você não perceber que já caiu na cama de gato. Do gato de rua, que vagueia de telhado em telhado, de casa em casa, de porta em porta, sem se importar com o barulho que causa na vizinhança.

Você luta. Não quer se deixar conquistar, porque no fundo a sua intuição grita "Não caia nessa de novo". Mas essa gente… ah! Essa gente é habilidosa, tem língua de prata e sorriso de demônio. Essa gente sabe o que faz. Eles não jogam para perder. Pacientes, eles esperam, sabem que no tempo certo a mosca ficará presa na teia de aranha. Meu deus, o que faço desse coração mole que se deixa enganar? Eu sou a mosca pronta pro jantar, e já não vejo mais com clareza. O veneno da aranha já corre em minhas veias entorpecendo os sentidos e me nublando a vista. Eu caí no conto do vigário.

A cabeça diz não, mas o coração grita mais alto que sim. Os sentidos te traem, seu corpo te trai, seus hormônios te traem. E traído você se joga esperando que esse alguém te segure no meio da queda mortal no abismo de mentiras. Ele te segura, te deita na água com carinho, beija os lábios devagar, te manda fechar os olhos, e te afoga. E quando satisfeito se retira, você não lhe serve mais. O jogo acabou e você perdeu. Cuspindo água dos pulmões na beira da praia. Sozinho. Naufragado. Aos frangalhos.

Ah, essa gente tão sem coração que tem mania de brincar com o sentimento alheio, só por diversão. Eles são assim, sem peso na consciência, cheios de papas na língua. E juram, eles sempre juram não ser a intenção, não ter culpa alguma. Como imaginariam? Como saberiam? Santa inocência. O culpado é você que se deixou levar por palavras bem ditas e sorrisos bem dados. O culpado é você que não percebeu que eles querem todos numa fome insaciável para satisfazer o próprio ego. Ego irresponsável, imaturo, ainda não aprendeu que com coração não se brinca, com coração não se joga.

Tudo em seu tempo, não é assim? O destino se encarrega deles. Enquanto isso eu vou aqui, do lado de cá, juntando os caquinhos e fazendo um mosaico ainda mais belo do que o anterior. Formando um quadro de rosas deformadas que um dia alguém há de merecer, e eu sei, vai colocá-lo num pedestal pra admirar a obra que eu criei com os pedaços que fizeram de mim.

M Baumer
Enviado por M Baumer em 23/05/2023
Código do texto: T7795590
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