Buda Maligno

Chamas alaranjadas, amarelas e vermelhas, tremeluziam e inflavam, golpeando e rodopiando no ar como juncos sob a superfície de um rio. E logo pude ouvir o barulho do cascalho sendo esmagado, meu coração se contraiu, a adrenalina disparou por todas as minhas veias. Seu cheiro pairou no ar, enquanto o ambiente em um calor crescente. Ao espiar pela cortina, vi você no quintal parado como um Buda Maligno. Seus olhos eram argutos como os de uma velha raposa. Realmente, não houve um só dia em que eu não tenha esperado sentir uma faca na garganta.

Já apreciei a queda do machado, a lagoa vermelha de sangue, a espada que, numa lufada, arranca, para longe do corpo, a cabeça. E novamente o espetáculo fúnebre de uma cachoeira escarlate. A tentativa constante de não parecer desestruturada, mesmo quando todas as bases já estavam despedaçadas. Suas adagas agudas de sarcasmos e aquele sorriso de quem acabou de afiar.

O amor é um jogo, às vezes temos sorte, em outras não. Mas ficam as cicatrizes para contar história. E é tudo que resta nos escombros dos meus planos.

Mas é assim, Davi chegou para derrubar Golias. De qualquer forma, não desejo promessas que poderão ir ralo abaixo. A vela já está há muito tempo perdida num nevoento mar. Não vamos gastar saliva cuspindo o passado. Escolhendo palavras deliberadamente, como um pai que arranca o curativo de uma ferida seca de seu filho.

Não vamos rastejar, o espetáculo tem início e fim. E é mais do que na hora de observar, que é chegado o momento. Todavia nos lembraremos como bons atores: Eu, com meu fúnebre silêncio, e você, mesmo que despretensiosamente, em sua excelência, um Buda Maligno.

Lemos ACR
Enviado por Lemos ACR em 23/05/2023
Código do texto: T7795265
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