OLHANDO PARA TRÁS
Olho para trás e vejo mortos e feridos de batalhas que a vida inventou, apenas porque estávamos vivos. No presente em que me vejo olhando para trás, eles não podem retornar às carnes abandonadas, mas sobrevivem nas partes mais íntimas da minha alma. Todos os que dobraram às esquinas opostas as que virei, sumiram da paisagem desta minha alongada estrada.
Olho para trás e vejo terrenos baldios em que jogávamos bola, esperando a infância terminar. À época não sabia que o findar seria tão rápido, pois tudo que antes me cercava parecia banhado de eternidade. A substância inocente de que são feitas as crianças é frágil, passageira e volátil.
Olho para trás e vejo que aqueles terrenos, em que deixei minhas pequenas pegadas enterradas, estão hoje ocupados por elevados prédios, repletos de apartamentos de 60 metros quadrados, onde se assistem novelas, telejornais e seriados. Em suas varandas, varais de roupas estão penduradas, como se fossem bandeirinhas de São João, a tremular no vento que restou do verão passado.
Olho para trás e vejo casas que não existem mais, e fantasmas despejados vagueiam atônitos pelas ruas da cidade, feito mendigos desempregados. Tanto as pedras, os tijolos e os telhados se vão, mas ficam os fantasmas esfomeados, que não assombram os novos quartos das crianças recém-chegadas.
Olho para trás e vejo a loja Sloper e minha mãe comprando estojos de maquiagem, para posar bonita às fotos em que seu rosto ficou guardado, que nem tatuagem gravada na pele envidraçada dos porta-retratos.
Olho para trás e vejo meu Joaquim perplexo olhando no espelho seu corpo crescendo, enquanto a Terra gira ao redor do Sol, comemorando aniversários.
Olho para trás e vejo o que ficou para trás...