Carta de Amor
Existem várias modalidades de Cartas de Amor. A maioria delas, quase a totalidade, ridículas, nos advertiu o Poeta.
No entanto, no poético - ou mesmo no patético - da Vida se entranha tanto encanto que seria ingênuo, senão mesmo criminoso, furtarmo-nos à tarefa de expor a alma sem truques, sem maquiagens, em cartas, abertas. Cartas quase infantis, de tão inúteis e prenhes de Amor e de Sonho.
Assim, te escrevo: como quem se ri no espelho, diante da própria imagem; como quem lava o rosto demoradamente para mais sentir o frescor da água; como quem se sacia em dia quente.
Escrevo para ti cartas de Amor e de Mundo, atrevida que sou, ousando sonhar, após décadas vividas, que tudo pode ser mais leve e azul, qualquer dia desses, pela decisão soberana do Povo.
Escrevo sem tramas nem pautas, a certeza de uma luz que me percorre as veias ou brota da pele junto ao suor cada vez que, nas ruas, nas praças, ouso pensar Outra Humanidade, outras verdades, não-exclusivistas, não-excludentes, não-únicas...
Escrevo. Certa de que, no rosto cansado de meu Amor ao Mundo, enxergas traços de teu rosto, tua História. E te reconheces em algo meu. Preocupo-me, misteriosamente, em trazer-te perto! Tu, que estás, há tanto tempo, dentro: no fundo estrelado de meu peito que sonha, no gesto teimoso de minhas mãos que repartem, no brilho inquieto de meu olhar que faz perguntas.
E começo a me responder, com as palavras que não disse, sobre as procuras inúteis, as batalhas inúteis, anos a fio, quando tudo estava tão claro: o que pulsa e impulsiona é um afeto tão antigo e verdadeiro que, de repente, me vejo criança. E, me vendo criança, sei tão meu o Mundo que já nem pergunto. Suavemente, tocarei teu ombro para o convite: vamos pintá-lo em outra cor, vamos mudá-lo, para mais justo e belo. Vamos tocar o Céu sempre que possível! Vamos impossivelmente, nós dois, reinventar-nos...