O Velho do Rio

Barbas brancas

Cabelos do tempo

Olhos cansados

Alma na proa

A saga do Velho continua

Nas profundezas do rio

A imagem dos sonhos

No bailar da guerreira canoa.

O vento beija seu rosto

E lapida sua esperança

Os remos feitos batutas

Regendo os cardumes

E a manta tarrafa no ar

É fotografada pelos últimos raios

De um sol indo embora sem pressa

Num arrebol de tarde a findar.

O Biguá à procura da amada Yeruti

Busca no seio do rio

Seu grande amor

E traz no bico um Mandi inocente

Mas na verdade

Capiberá a levou

Por cobiça e maldade

O Velho entende o que o magoou.

Gorjeio magistral

Entra em cena naquele cenário

E a revoada à sua maneira

Buscando a direção dos ninhos

Que ora solitários

Iriam abrigar a passarada

Que saíra ainda aos raios da lua

Da intrépida e misteriosa madrugada.

A rede ao fundo se assanha

E o sorriso vai brotando lentamente

Na face do Velho do rio

E com sutileza os retira

E a canoa vai se abarrotando

Daquele alimento sagrado

No peito a imagem da Conceição

No patuá o silêncio guardado.

Voltar é preciso

O sol despedindo das nuvens

E na coxia de prontidão

A noite em traje oficial

Inspira aos vaga-lumes

Que no vai e vem do Velho Pescador

Alumia a águas

Como as velas alumiam um andor.

Já avistando a palhoça

Na barranca as faces à luz do lampião

Benedita e os sete filhos

Vestido surrado e pés no chão

Olhares de saudade

Quem chegou fez uma viagem

É a certeza da fartura

Nos lábios a oração.

O chiar do remo silenciou-se

A tímida tarrafa quase adormecendo

A rede carecendo reparos...

A canoa que bailou sobre as águas

Sai de cena

A poita mergulha lentamente

E as cortinas da noite

Encerram o expediente.

Em pé na canoa o Velho do rio

Ajoelha-se lentamente

Retira a imagem de Iemanjá

Que em silêncio

Estava debaixo da proa

Ela a abraça, se benze...

“em nome do Pai e do Filho”

Iemanjá e Divino Espírito Santo nos abençoam.

Ao entrarem na palhoça

A parede ostentando a fé

Jorge, Bárbara e Conceição.

No altar a luz de Lázaro

Salve Obaluaiê!

Ao lado de Cosme e Damião

O Terreiro nas veias ancestrais

Axé na alegria dos Erês.

Agora o regaço da amada

É berço do consolo

A madrugada misteriosa

Vai parir frutos e luz

As andanças do Velho do Rio

É arribação da alma

Velho Raimundo do Bento

Sua história me acalma!

Mestre Tinga das Gerais
Enviado por Mestre Tinga das Gerais em 22/05/2023
Código do texto: T7794387
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