Colina

Recostada sob uma árvore à beira de um precipício, com o vento a soprar pequenas pedrinhas em direção ao abismo, ela fitava o horizonte com uma expressão própria de quem fora consumido pela angústia, mas já não era capaz de providenciar a energia que a angústia exige. O estado de assombro, de perplexidade e horror, de agonia e do mais profundo pânico, é sempre um estado transitório, momentâneo. Tal como a felicidade eufórica é também apenas um destaque curto no novelo das emoções, assim o é a desolação. Não há alma suficiente em uma alma para que se permaneça em constante estado de desespero ou de satisfação. Estas emoções agudas, assim como o vento, vão sendo lentamente varridas de nós. Em matéria de emoções, somos seres de transição. E como era rica de palavras a língua portuguesa, para expressar o intraduzível reino do sentir... ânsia, lamúria, sofreguidão; êxtase, gozo, desfrute: palavras de conteúdos quase pulsantes, cheios de vida, animizados. Ela olhava tudo se dissolver em um líquido espesso. Diante dos olhos dela havia uma montanha e um rio antigos, espantosamente belos, majestosos, esplendorosos. Como lhe era doloroso absorver a beleza de uma paisagem!

Ela conhecia aquela vastidão há muito tempo. Era o seu microverso, um canto pedregoso menos prestigiado de uma colina onde os habitantes da cidade rumavam aos finais de semana para fazer piqueniques e entreter as crianças. Quando mais moça, lembrava-se de que aquele era um popular destino de passeios, mas, nos últimos anos, notava-se que entrara em declínio. Os balanços de reluzente tinta vermelha em que brincara estavam agora descascados e enferrujados. Isso a entristecia, pois ela apiedava-se das crianças que não poderiam experimentar a mágica visão daqueles balanços de cor brilhante ao longe, chamando-a para brincar, contrastando com a relva verde, agora já opaca e negligenciada, crescendo desordenada... as memórias da sua infância lhe causavam uma sensação indizível.

Este seu santuário, onde depositava seus pensamentos quando eles lhe atropelavam com demasiada força, não se localizava na área principal do parque. Na trilha que se iniciava na base da colina, ao subir entre as árvores, ela desvendara certa vez uma passagem alternativa. Em uma curva obscura, que mal parecia de fato um caminho, ela se embrenhava habilidosa sob o tecido verde que recobria a margem íngreme da cidade. Como lhe era precioso e esplêndido tudo aquilo! Algo para chamar de seu, que, mesmo, não possuía; e, não obstante, fora descoberto por si. O que é nosso, por vezes, não o é no sentido da posse, mas no sentido da perspectiva. E, neste aspecto, aquele recanto era inteiramente seu.

Tudo se repetia continuamente: o farfalhar da árvore sobre a sua cabeça, como uma grande entidade que abraça solene uma criança desprotegida, algum pássaro moroso na distância do firmamento se comunicando com seu bando, o sibilar do vento ameaçador que arrastava consigo todas as pequenas coisas... “como é sutil e ao mesmo tempo poderoso o vento, que envolve tudo, constrói e destrói com seu ritmo. Quisera eu ser como o vento, porque o vento ao menos tem um sentido. Qual é o meu sentido? Para onde eu aponto?” pensava ela. Ela olhava para a direção na qual o sol acentuava seu estado oblíquo, eram já quatro horas da tarde. Quem visse, distante, da janela de alguma casa no distrito adjacente, o pontinho azul celeste (a cor de seu casaco), não saberia jamais o que se passava na mente daquela jovem menina, fervendo em perguntas sem resposta, no silêncio da solidão. A vista da colina, embora não trouxesse em si todas as respostas, era o ambiente perfeito para colocá-la em contato com tudo o que precisava ser elaborado. Na lacuna entre a encosta e o céu, cabiam todos os seus devaneios, alguns demônios e uma crescente avidez de estar no mundo. O sol se punha veloz, mas ela sequer percebia, tão absorta em suas fantasias. Por um instante, não houve mais nada, a não ser ela, o crepúsculo e esta pequena história.

pedro toscan
Enviado por pedro toscan em 16/05/2023
Reeditado em 26/07/2023
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