Fera

Eu consigo ver o verbo agora. Vá, entre, não precisa nem pedir, não faça cena.

Eu vou te abraçar e te ouvir, porque ver você alí, parada, feita, foi a coisa mais aterradora e assustadora que eu já vi. Me deu medo. E eu me encantei. E eu adorei. Adorei a fuga da idealização, o errar de propósito o tiro pra só assim, quem sabe, ontem acertar.

Vou guardar um cantinho pros rolos de fios. Que fiquem ali num quarto ermo como uma instalação de arte moderna. A bagunça programada do meu dia.

E quando chegar o trem do desejo, quando me abater a grande febre, eu vou fazer dela os dedos que moldam na argila, a grande criação, o acorde que resolve a harmonia.

Há uma fera eminente nisso tudo, eu sei. Uma implicação lógica, um medo que assombra, uma quimera, uma fraqueza que se abate sob os ossos, um céu que se estica pra cima. Mas você não, você passa incolume por toda essa metafísica chata, porque é tão cheia de vida, de sede, tão cheia de si, que desarma todo o atrevimento que um dia eu tive.

Você me doma,

me amansa

e nem sabe.