[Dialética das Dedicatórias]

[Há uma capacidade inesgotável de complicar mesmo as coisas mais simples!]

Pergunto: como pode alguém presentear-me com um livro sem nele deixar in-scrita [ou ex-scrita] uma dedicatória?! Um absurdo, uma desconsideração! Com o pode alguém ser capaz de tamanha grosseria?

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Ah, eu odeio dedicatórias! Como pode, alguém que já vai partir de mim, ter a audácia de deixar marcas de sua passagem pelos meus olhos, contar-me de sentimentos que não teve, falar-me de desejos que não sentiu, augurar-me felicidade até... numa dedicatória de um livro feito presente... quem sabe, o último presente?!

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O que é isto de receber como presente um livro sem uma dedicatória? Um disparate? Um atrevimento, um tapa na cara, um livro como ponta-de-lança de uma crítica mordaz a um comportamento meu?! Um livro com a baixeza de espírito, a fraqueza moral de uma carta anônima?! O que pensar da sensibilidade de quem me dá um livro e não escreve nele uma dedicatória??

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O que é, afinal, uma dedicatória num livro? Uma prova de mau gosto, ao macular, com a caligrafia apressada, uma obra literária? Uma mentira, um veneno descarregado fora da vista de quem vai receber o livro, o portador inocente da desfaçatez? Por que essa a pequeneza de ser? Um vitimar tranquilo, sem tocar fisicamente a vítima?

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Toda paisagem que eu vejo é um fato, um produto do meu olhar - é... mas também, não é! A paisagem de uma relação amargamente subtendida numa dedicatória de um livro: yes or no?? Assim como as janelas, a dedicatória no livro não é culpada pela paisagem que meus olhos vêem, ela apenas é, mortal e friamente, é... veio pelo correio assim, já portadora de signos que mal decifro. Veneno... sim, diz-me a Razão, o mais das vezes, veneno disfarçado de casual informalidade!

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Ah! Eu odeio que me empesteiem os livros com dedicatórias!

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Ah! Eu repito, acho uma grosseria presentear alguém com livros sem uma dedicatória!

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Alguém se arrisca a me dar um livro? Com dedicatória... sem dedicatória? Oras, dêem-me já o livro - do modo que quiserem!

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[Penas do Desterro, 14 de dezembro de 2007]