Dissidência
Quando ninguém me atenta converso com os bichos
Vozes gritam dentro de mim que sou Jesus Cristo
Dias muitos, noites longas, sonho ser Napoleão
Quando me zango penso ser Joana Dárc
Se odeio sou Nero e incendeio Roma novamente
Não revelo a ninguém que ouco vozes
Brinco em segredo com os pássaros que me seguem
Derramo lágrimas azuis, sonho girassóis amarelos
Por ofício decomponho em galáxias e planetas
O universo das palavras
Escondo atrás da minha loucura os versos que arquiteto
E assim sendo louco como sei ser
Aparento ser normal
Ainda que muitas vezes descuidado
Em noites de lua cheia me torno planta no quintal
Amanheco gente novamente e quase sempre espantado
Com aqueles que categoricamente afirma ser só um
Pois enquanto leio no sofá, me dispo lá no quarto
E cuido na cozinha o leite pra não derramar
Já me contei mais de três mais de cem vezes
Guardo catalogado os sorrisos que recebo
E tenho latas de goiabadas abarrotadas de abracos
Os que me pensam louco, são contidos em sentimentos
Eu me exponho ao pensamento a todo instante
Sou livre trinta horas todos os dias
Só me ponho de tocaia quando venta diferente
Espreito a inquietacão dos pássaros
E as nuvens que amontoam
E quando os pingos vão se perfilando
Saio a andar só, só pra tomar banho de chuva
Enquanto me chuvo, remoco a poesia e minha loucura
Sou clinicamente concebido como desacometido de razão
Porém não presto pra viver aprisionado
Com terapia eletrochoque, prozac, lexotan
Rapidamente me definho
Distraidamente nos intervalos de meus dias, sou poeta
E tenho alma, jeito, cor e som de passarinho