Não posso viver com ou sem você
Não pertenço mais a minha casa, não tenho lugar entre os objetos, os gatos se aconchegam em mim e eu não estou ali. Desde que comecei a te amar, que meus olhos fundiram aos teus olhos, meu corpo mergulhou nas tuas células, a boca derreteu na saliva tua e os dedos entrelaçaram os teus no enlace indissociável, fui sequestrada de tudo que pertenci. Agora, errante, longe da pele que pertenço, vivo no deserto das horas, no espaço estrangeiro do ponteiro, exilada - porque não posso viver sobre o continente do teu ser. Não posso viver com ou sem você. Juntos, tempestades nos assolam, de repente, vou embora e nunca chego a algures. Estou perdida na cartografia de São Paulo, entre o mar do litoral norte e o interior. Deixei a alma na areia da praia, não tenho mais o coração no peito, está enterrado por aí, ao teu lado, amor.
Na estrada, quando parto, estou sem destino. Sou uma estranha na cidade, o vento do Alto-Tietê não me reconhece mais; a chuva caia quando desci do ônibus, não me molhava como antes, não sou mais daqui, do cinza frio, do cheiro de pastel frito, do burburinho de frente à estação. Beberico a cerveja num bar qualquer, não faz diferença. Sou uma interrogação sem pergunta. A resposta peremptória: “não sei”. Meu país, você, está em guerra. Fugi, mas sei que não me há lugar além das tuas fronteiras.
Estamos separados e eu sumo no escuro do quarto, durmo, esqueço, me reinvento de um vazio simulacro de mim, estou no lugar que nunca voltei, não sei por onde caiu meus pedaços ao subir a serra. Escrevo na poeira dos resquícios a você, que me olha sem saber o por quê.
Não existo.