Grão no Universo
É temerário dizer: deste apego não precisarei. O rio da vida é imprevisível e o seu curso, personalizado: raso, caudaloso, profundo, oscilante.
Vontade e esforço do desejo nem sempre são remos para impulso veloz no percurso a determinar a foz pretendida.
Quem vos informou que aquele velhinho viúvo e solitário orgulha-se por ser contado no censo encomendado a confirmar longevidade...
Sabeis ao certo de seus dissabores, do que fez ou não fez na travessia...
A fonte que desejaria extinta, à míngua, o surpreende, não obstante o coração em desapego; e a vida, no entanto, se lhe adere o consumindo, a incitá-lo a qualquer atitude ou apenas lembranças.
A eternidade rejeitada, terrível, temível, obstinada, impõe-se e vai retaliando ensinando, com a carne em decadência sem pressa ou lenta, não se importando com o interesse de aproveitamento, porque a solidão invicta a qualquer cobertor, casaco, meia, motiva e anima a um testamento, a uma confissão desesperada exortando a que não se evite o desapego, dos corpos em sentinela à ameaça da submersão na noite individual feita de silêncio, ausente de vozes, de gestos, de toques, carícias e risos.
Não lhe foi preciso perdas essenciais para achar-se perdido e preso à vida que se lhe faz eterna.
O coração jamais manipulado sob competência de mãos hábeis do amigo cirurgião, sem implantação de marca-passo; na anamnese periódica o elogio que o enaltece, no controle para excelente tensão arterial; pulmões devidamente aerados em sua excelente capacidade respiratória; estes e outros detalhes em absoluto contraste com sua vida estática e a incógnita desafiadora a todos os recursos de que dispõe – dinheiro a psicólogo, viagem, vinho, esporte ou diversão – para suportar, sem desconforto, o curso do rio da vida sem previsão de extinção irreversível.