Meritocracia, vazios e estranhamentos

Nos deram um número e disseram pra não ficar pra trás, desse momento em diante competimos desenfreadamente.

O mais inteligente, o mais simpático, o mais bonito, o mais atlético, o que mais concentra todas qualidades juntas.

Dia após dia fingimos força, enterramos sentimentos, sorrimos enquanto a faca corta a carne e dizemos que aquilo sinceramente não foi nada, mesmo que o corte alcance a linha da alma.

Ninguém deixa que a lágrima escape, ninguém quer ser fraco e todos se submetem ao fogo da forja para se tornarem mais puros, mais duros, mas a única coisa que o fogo faz é abrir feridas mais profundas que a gente finge cauterizar a dor romantizando tudo com um gole de álcool.

O álcool sintetiza aqui em uma palavra uma gama de prazeres discretos que distanciam a realidade, ele parece que lava e inunda pra anestesiar, mas a verdade, bem na verdade é que não sabemos o que fazer, estamos todos sós e cercados de possíveis adversários que mesmo sós, parecem sempre melhores que nós.

E o sentimento crescente é que existimos desamparados, lutando batalhas vazias, ganhando um pouco de nada e esperando alcançar a famigerada satisfação, esperando encontrar prazer em algumas gotas de ilusão.

Rangel Paiva
Enviado por Rangel Paiva em 17/04/2023
Reeditado em 17/04/2023
Código do texto: T7765819
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