TEMPO PARA RECOLORIR A VIDA

Tempo. Tempo para desacelerar os dias que passavam rápido demais. Da janela do carro mal tinha olhos para ver as flores pintando as árvores. A brisa, já não conseguia senti-la mais , na mesma intensidade.

 

Algo que não sabia bem o que era, estava bagunçado em mim. Roubando espaços, energia, alegria e principalmente, a poesia de todo dia. Ah não, os dias sem ela se tornam dias frios, nublados por demais; a vida sem poesia, esfria.

 

Precisava aquecer-me, desprender-me de toda e qualquer prisão invisível e sair por aí a observar e sentir a vida. Esta, se não atentamos bem, a desperdiçamos e aquele tal do tempo é implacável! Se você não o ignora um pouco e cria um “tempo” seu, ele te envolve de tal maneira e quando você percebe tornou-se escrava de um sistema.

 

Ele te faz refém e uma hora, ah ela chega, você sente que deixou de ser o condutor da sua própria vida. Hora de parar, doa o que doer, hora de entender o que nem sempre se mostra fácil no meio de tanto burburinho. Vai ter que chorar, deixar doer; mudar dói, mas nos constrói.

 

Agora sim, tudo se ajeitando em mim. Eu, dona do meu tempo dentro do que me é possível. Precisava perceber quais barcos ancorados estavam verdadeiramente seguros nos espaços a eles cedidos no porto. Alguns, nós tão mal dados, frouxos e fáceis de se perderem por aí. Outros, nós de gente de mão firme, que faz as coisas parecerem eternas e desejam mesmo eternizar, cuidar e amam o que possuem.

 

Senti, que delícia, o vento entrar brincalhão pela janela do carro novamente. Admirei as flores espalhadas pelas ruas, o sol quente, o céu tão azul e os pássaros, ah os pássaros, como eles brincam e cantam alegremente. É necessário liberdade!

 

Sim, acho que estava me sentindo sem asas, tolhida pelas coisas da vida e que eu mesma permiti sem perceber, me deixar tolher. Este é o mundo da pressa, do fazer tudo rápido demais e eu na minha tendência natural de fazer mil coisas ao mesmo tempo, preciso estar atenta senão o tempo me rouba de mim.

 

Agora, conheço o que me limita, rouba sensações e posso dizer com alívio: - estou de posse das minhas asas e no meu peito, abre-se a porta da poesia. Ela, meio tímida, estava também se sentindo enjaulada.

 

Portas e janelas da alma abertas, despertas e de olho neste tal tempo. Ele costuma nos roubar belezas, criar incertezas e afugentar nossos sentimentos mais delicados, que precisam exatamente do tempo sem pressa. Tempo para ser adornado, acariciado, sentido, trocado entre aqueles que amamos e queremos bem.

 

Eu tive tempo, não para tudo, mas para ter a certeza de que o meu tempo a mim pertence e não a este mundo que impõe que a gente corra demais.

 

Estou a recolorir a vida, meu mundo e o mundo dos que amo. Trocando capas de almofadas gastas, desfazendo do que não faz sentido e tirando das gavetas da alma sensações, gostares e prazeres que deixei esquecidos.

 

Descobri tantos encantos tão escondidos! Que bom poder dizer que minhas asas desabotoaram a minha alma e redescubro o melhor de mim ou o que faz sentido existir.

 

Dias de sol chegam, os de chuva ensinam. E a gente, a gente se recicla. Assim é a vida.

Temos que ter tempo para recolorir a vida; pois às vezes, ela desbota perdida no sem tempo.

 

Mãos à obra!