A CHUVA
(Pr/Poét/03)
Cai sem pretensão, apenas, cai. Sobre as árvores, sobre os prédios cai a chuva. Dança a sua própria música com borbulhas transparentes, alaranjadas ou simplesmente incolores segue o seu destino; adormece o pequenino, acalma o estressado, faxina as calçadas, rega os jardins, molha o mar, seca as estrelas, banha o pássaro, reserva-se nas bromélias, alivia o bêbado, corre para o mar, ensopa calçados, calçadas, lava os miseráveis, os descamisados, enche de amor o coração dos apaixonados, frustra planos, leva desenganos, borra cartas de amor, leva cartas para o mar; nos cafés os sussurros de amor enchem o prato de chuva, respiram molhados e amam encharcados; foge o larápio com e sob um saco de chuva azul, transparente, ausente de amor de volta ao cafofo, só, com o frescor da chuva que incrementa o azedume das suas roupas surradas quase empedernidas, com o sabor onde o calor é frio e o chão é algo como colchão de pedra ou algodão amadeirado, velho, sem colchas de cetim nem cruz à parede, com respingos de chuva encharcando úmido, fedorento, lamacento; e a franzina criatura continua perplexa, sentada, não pensa, cruza as suas pernas junto com seus pés no pequeno e frio espaço claustrofóbico, com fome e com o seu olhar pára fixo no saco azul transparente, apalpa e não sente o pequeno grande pão, e, descrente pensa: quiçá com o barulho da chuva caiu e e a chuva o engoliu virando papa, na passarela estreita, escura-verde-limo, suja e negra, escorregadia e/ou pensa: surrupiaram-no mesmo mole quase desfeito e o beberam como mesmo como fosse sobremesa espessa de sagu e/ou angu- semi-doce, como queira; chora o garoto faminto, sozinho, gotas salgadas que escorrem pelo rosto molhado e com olhar virado e vidrado, respira fundo e se pergunta: - Deus, meu Deus, onde estás, escondeu aonde? – A chuva é cruel, é fel, tirou-me o mel. Cadê o meu farnel; onde encontrarei Rapunzel?