Um dedinho de prosa
- Boa noite comadre! Como vai?
- Boa. Tó aqui oiano a noite mastigá os úrtimos fiapos de sol. Mastiga tanto que fica quebrano em pedacinhos e daí do cantinho da boca dela escorre as estrelas, como se fosse farelo briante caindo no chão do céu.
- E a lua ta maravilhosa...
- A lua parece um quejo todo furadinho. Acho que é o silêncio das arturas que fica a cavucá terra nela numa solidão di dá dó. Mas é uma lindreza!
- Você fica sempre aqui observando?
- As vezes gosto de vará a madrugada inteira, cavargando em pensamentos, inté chegá na porteira da manhã. O batente dela conta histórias marcadas por cada vez que o dia amanhece, seja com friagens, chuvas ou memo só brisas e poeiras.
Veja cumpadi...
As roseras tá tudo inquietas. Gostam de dar prefume, mas morrem de saudades quando as pétalas ficam apaixonadas e dái se vão com o vento, caídas de amores.
- Quanta sensibilidade comadre! Ali embaixo tem um córrego né?
-O corgo é que nem uma estrada onde á água caminha sussegada, levano nas costas as foiagens secas que caem nas beiras. E lá imbaxo nas curvas parece que os gaios secos estendidos sobre o leito faiz decrarações de amor pra elas, então as foias se amontoa neles.
- Em tempos de chuva deve ser muito belo também?
- Aqui quando chove, cantarola as goteira espatifando em versos bunitos pelo chão. Tudo fica viçoso com a terra encharcada e prenhe desses banhos de santidade. O verde vai estendeno as camas, fazeno drumitórios para os frutos vingar e mais tarde ser colocados na mesa diante das famías daqueles que lidam diariamente.
- Coisas simples, mas tão cheias de vida!
- O sertão é memo de belezuras bitelas. A simpricidade é sempre companheira dos sorrisos mais sinceros.
Intão fico aqui a oiá a noite que parece estar sempre contano pras sombras todos os segredos do mundo ao pé das oreia delas. É tanto mistério né cumpadi? Mais sou feliz aqui nesse rincão.
- É sim comadre. Vejo que a felicidade reside em momentos.
- É que felicidade não se exprica em palavras, a gente apenas sente, assim como sinto as miudezas da natureza. Quando chego a falá de felicidade é pruque já se foi o momento e as palavras é restos da beleza e do prazer que fica ni mim. É facinho ser feliz! Fico pasmada por quarquer coisinha que venha dos feitos de Deus.
- Então de certo modo, as falas posteriores assim cheias de encantos, são formas de reconhecimento e gratidão?
- É sim. É a arma da gente invorta num sentimento de bem estar e pureza.
- Boa noite comadre. Adorei prosear com você. Obrigado.
- Carece de gardecer não. Boa noite procê tamém. Vou continuar aqui inté o sono vim bater nas minhas pestana. O céu e meus zoios tem estrelas pra trocar de lugar, jogando poesias um na cara do outro.