MENINICE

Esse meu ontem, é perpétuo.

Da vaca mais da "família" meu pai tirava nosso leite, de manhã, na beira do curral o olhava, balde entre as pernas, e as mãos fortes e calejadas nas tetas, ordenhava. Na caneca grande de ágata vermelha, o fundo forrado, ou de café, ou de farinha de milho, ou de açúcar, ou de raspa de rapadura, ou de melado..., ou de (quando fazia arte) de conhaque São Joaquim da Barra com açúcar, que ele escondia da gente.

O sabor daquelas manhãs nutrem lembranças e saudades, que reluto em degustar nas álacres ausências de quem muito amei e amo.

Para ir ou voltar do curral tinha um pasto de grama estrela, com orvalho translúcido quando transpassados pelo sol que raiava, após escalar as montanhas de minas. No começo era desafio não molhar, ficava dentro do trilho, mas depois virou uma gostosa de brincadeira, ia descalço e molhava que escorria, batia queixo de frio, era como se despertasse e lavasse a noite de profundo sono no colchão listrado, fofo, de palha de milho.

Já menino em idade escolar, ia cedo pela estrada para beber o néctar do conhecimento, escola rural, pertinho, sem capim molhado. No livro grande de capa vermelha... Minha mãe queria futuro diferente para mim, doutor e não roceiro, acabei me tornando um doutor roceiro, pois a meninice na roça está cravada de saberes, sabores, recordações e saudades.

Na parte da tarde, depois do farto almoço, ajudava meus pais numa coisa ou noutra, mas sempre olhando para os lados da casa do vizinho, quando meu amigo malungo me chamava para as peripécias, descobertas e artes docemente punidas.

Na boca da noite as lamparinas de querosene iluminavam os sonhos e as boas prosas. Gostava quando vinha a dona Chica do Nestor, mamãe fazia pipoca, chá de açúcar queimado ou cravo e café, e se as histórias fossem de assombração, eu sentava quetinho, arregalava os olhos, arrepiava e ouvia em 3D cada detalhe.

Tinha que deitar na cama de meus pais, para dormir, para depois ser levado para minha cama. Acho que nada é mais caloroso e aconchegante que o calor da cama dos pais.

O mundo de hoje, com todas as modernices, me enche de ter, mas o meu ser, esse, se estruturou nas simplicidades nada ambíguas da meninice roceira, recheada de família, de amigos, de natureza e felicidade!

Cesar de Paula
Enviado por Cesar de Paula em 22/03/2023
Reeditado em 22/03/2023
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