A SERPENTE SORRATEIRA
O Poder tem duas pernas claudicantes;
Tem olhos estrábicos e lacrimejantes;
Veste terno, farda, beca, batina e surrado blusão;
O Poder é uma célula em profusão,
Num instante engole sua cara metade com doses de prazer;
Mira-se no espelho com lisonjeio por ter o que não ser.
O Poder é supremo!
Não teme a ira de Deus, muito menos a ira dos homens.
O Poder é tão pequeno que some na palma da mão,
O Poder é a palma da mão!
Pede vênia e profere impiedosas sentenças num canto sombrio da consciência.
O Poder é como uma dor intensa.
O Poder nunca pensa,
Distribui sorrisos, afagos e cusparadas;
Ensaia caretices com a mesma indiferença.
O Poder é o camaleão da mente,
Transmuda-se lentamente da retórica colérica à honra indecente.
O Poder não se ressente.
O Poder não faz sentido para quem não tem sentido do Poder.
O Poder é apenas um gomo, um favo intragável de fel,
Esconde a própria sombra à sombra do Poder.
É cinzento como um céu onde o sol nunca há de nascer.
O Poder faz questão, é chique, avant e noir.
O Poder traz ilusão, como a do sedento que traga o deserto pensando ser o mar.
O Poder se enquadra sistematicamente entre as quatro paredes da burrice,
E se autoproclama nos jornais e revistas numa eterna mesmice.
O Poder faz vistas grossas, mas escorre mansamente como uma serpente sorrateira.
O Poder não é culto, é curto,
Tem sempre na ponta da língua uma frase feita, um clichê ou um estrangeirismo banal;
Tem um olhar de ninfa insatisfeita,
Um lirismo incompreensível e amoral.
O Poder vai para as ruas com tanques, escopetas e sem coração;
Tem muitos caminhos que findam na mesma teta pérfida.
O Poder cospe desesperanças férvidas no rosto da gente;
Comemora estrepitosamente com fogos e champanhe os velhos anos novos.
Com suas mãos ossudas cava uma grotesca cova na divisa dos nossos quintais.
O Poder permeia no escuro a procura da saída,
Mas semeia no vazio o resto das nossas vidas.