Sonho sobre tela

Hoje eu sonhei com um quadro. Não, não. Sonhei que alguém pintou um quadro e me mostrou. Era um quadro grande, onde mesmo estendendo minha envergadura e tentando abraçá-lo, ainda faltava.

Era de um quarto, meio cinzento, diferente. Um quarto. As formas eram tridimensionais, mas ao mesmo tempo não eram, faz sentido? Nem realismo, nem 2d. Os móveis tinham forma, o rosto tinha carne e volume, e o choro era choro. Exagerado, mas comum, sem lágrima, mas choro. Um vale sem estranheza, certeza.

A pessoa estava sentada numa cadeira, corpo ereto, mas a cabeça ovalada, estava entre olhar pra baixo e pra diagonal, como se os olhos que flagraram, tivessem capturado o momento de um movimento pela metade, uma intenção borrada, em que ele ou ela repousou a cabeça no ar, gerando pose estranha.

Digo ele ou ela, porque impossível identificar. Cabeça sem cabelos, como em "o grito", vestes da cor do corpo, e o corpo seria uma coisa só, amorfa, não fosse por algumas linhas separando o que é braço, do que é perna, do que é tronco. Uma coisa se confundindo com a outra

Ah, a única coisa que denunciava o choro era o conjunto boca-nariz-olhos. Não havia rugas, nem manchas, ou sobrancelhas. É como se a criatura pintada em tons pastéis, tivesse sido montada. Colocou-se a coisa primária pra perceber o rosto, a pareidolia, e deixado o resto com quem vê, o trabalho da recriação da expressão.

No quarto, uma caminha branco-cinza...

Agora, pensando direito, parece que uma cama menor, talvez o ângulo tenha dado essa impressão, mas tenho quase certeza que era uma cama menor do que o corpo presente. Como se, mesmo depois de crescido, o corpo ainda dormisse ali por algum motivo. Obrigação, apego... não faço ideia.

E aqui as duas coisas que me deixaram mais intrigado nisso tudo. Na parede do lado esquerdo, lá do outro lado, no fundo, via-se uma cortina, um tecido rosa que amarrava nosso olhar, nos direcionava até ela. Era de uma coisa finíssima, quase transparente, de forma que o amontoado, as camadas de tecido iam gerando novos tons de um rosinha lindo, de criança. A cortina ou o tecido não havia sido estendido, fazendo-o ser só uma tira rosa que se derramava de cima para baixo, mas nunca para os lados.

A outra coisa que me saltou os olhos foi que havia um balancinho no meio do quarto, imóvel, sem nenhum sinal de movido pelo vento, pelo tempo. Era preso por uma corda totalmente esticada. No encosto do balancinho, traçado junto as ripas de madeira, formava-se um coração. A forma do coração se fazia pelo buraco não preenchido, uma contra-forma fixa bem no meio. O balancinho era inho mesmo, de um tamanico, uma coisinha pequena. Caso qualquer um tentasse brincar, se sentar, ou quem sabe até encostasse de mal jeito, aquilo quebraria, sem dúvida.

Os dois objetos, o balancinho e a cortina, se distinguiam não só pelo inusitado ou por serem a única coisa "colorida", mas porque pareciam pintados de um jeito a emitir uma luz própria, sútil, um branco que esmaece, brilha.