Ao parar da máquina

Vida é fábrica de distâncias, e não me acanho em me vestir de poesias, tê-las como amizades inesgotáveis, que me lembro quando sinto que estou sozinho nos corredores do recinto, zanzo e vou e recito. Essa é a magia das coisas. Não sei se ver coisa onde não tem, ou do contrário, ver na verdade, o que ninguém mais enxerga.

Vida é mar de remaçōes e tempestades, coisas que parecem que vão consumir e fazer a gente desaparecer, mas não, a gente se mantém sendo. E aí não sei se por teimosia, necessidade, ou o que quer que seja. As tempestades em copos vão tendo que ser tomadas de gole em gole, doses de caranguejo, Barto Galeno e torresmo.

Vamos se fazendo máquina de fluxos que se interrompem, tal qual a de sherazade, que suspendia e voltava, e mantinha, e fisgava a fim de sobreviver de novo, ganhar mais um dia, azeitar a traquitana da vida. As palavras e estórias são isso.

Sigamos então enganando o rei, sigamos na evitação do microfone sem fio. Bethânia diz assim, diz que microfone sem fio parece de plástico, prefere o fio, fala que flui como um chicote. E eu acho lindo. Vou atrás disso, atrás do meu fio, atrás da coisa certa.

Sigamos na vontade de viver mais um dia sem dar mole, sem dar sopa, tentando achar os silêncios e preenchê-los, mas só quando vale a pena, tenho que dizer. Porque a bem da verdade, hoje em dia é raridade, uma calação, um quietamento, é difícil ouvir os próprios botões, e as engrenagens, os gritamentos da mente. Então que se preservem silêncios, e deixe para as lágrimas lenços, para mar o vento, para a chuva os sóis, para o gozo os lençóis.

Vida é fábrica de distâncias, e seja como mar que tem em si as algas e os sargaços que boiam, ou o vento com as partículas que flutuam ao menor sinal de sopro, meu esforço é de afastar as distâncias, encurtar as chatices, aproximar as longitudes, fazer daquilo que eu não entendo nos outros, e do que os outros não entendem em mim, algo que atiro aos montes pelo chão, e que, de tão leves e simples,

viram eternas.