A amargura do conhecimento
Por mais que eu me esforce para simplesmente viver não consigo negar o caráter enigmático da vida. Minha existência se resume a uma interrogação que não posso evitar. Sou prisioneiro de minha própria condição existencial de ser-racional, incapaz de negar certos questionamentos.
Sinceramente, já não sei se tal resposta existe (ou se eu tenho que criá-la para mim; eu teria de ser um deus para conseguir isso). Porém, para quem perdeu a fé em deuses a verdade não passa de conjectura, e os sentimentos não passam de poesia...
Sinto que existe um segredo guardado no fundo do mar em que me sou. Às vezes parece que eu sou o tesouro que venho buscando. Mas essa impressão se mistura, simultaneamente, a ideia de que o tesouro existe independente de mim. Sou fraco demais para elevar meu pensamento, assim como Nietzsche entre outros, até as alturas megalomaníacas dos criadores de deuses e super-homens, por isso não posso negar que sou apenas uma folha soprada pelo vento e que, sendo nada, a existência de algo maior independente de mim é bem possível.
Não sei. Quanto mais eu penso que sei mais eu percebo que nada sei. Honestamente, eu nem sei se nada sei...
O conhecimento, para mim, se resume a uma astúcia da espécie humana e não um meio pelo qual possamos chegar à essência das coisas. Começo a pensar que não se trata de saber, que o saber é uma ilusão necessária. Mas então...
Trata-se de sentir? Poesia? Talvez o problema não se trate do significado da vida, e sim, da experiência do significado. Falo de sentir, estar engajado e conectado ao mistério das coisas de maneira que minhas ações reflitam de volta para mim o eco desse enigma transcendental. Mas não estaria eu caindo na mesma loucura daqueles que, pela via sensível, imaginam que sentimentos são mais do que sentimentos? Não é o mesmo processo pelo qual chegaram os pensadores megalomaníacos? Uma coisa é certa: aqueles que sentem são mais humildes por transferirem para o seu deus aquilo que eles sentem. Eles pegam um símbolo eterno e vestem seus sentimentos com ele, apaziguando as contradições e tensões que viriam dali caso não o fizessem, evitando assim uma inflação que os neuróticos não podem evitar. Mas não posso evitar de ver aqui a face da loucura misturada ao bom senso. Talvez sejamos todos loucos ou apenas eu esteja enlouquecendo...
Eu gostaria de me render à minha pequenez e esquecer de minha existência - mas como? Eu teria de estar morto para conseguir isso ou esperar até que a senilidade venha enfraquecer meus anseios? Estou ansioso, impaciente, cansado de esperar. Talvez a resposta seja a morte. Quem vai saber. A essa altura da loucura da vida, em se tratando do segredo do universo, tudo é possível. Já pensei as coisas mais alucinantes que alguém poderia pensar, tenho impressões sublimes e medonhas sobre o mistério da mente e das estrelas.
Tudo é dúvida. A dúvida sou eu. E está me sufocando...
Não consigo conceber minha existência como uma afirmação como o fez Decartes, que, aliás, não resolveu a questão, ficou preso num processo circular onde apenas tomou a existência da dúvida, que é um fato, e viu-se confundido com o problema para sustentar uma certeza incondicional, espiritualizando o pensamento racional. Ele não descobriu nada novo. Começou questionando o exterior e, por fim, retornou a dúvida, pois para haver dúvida tinha de haver aquele que duvidava. Ele não duvidou da dúvida nem de si mesmo, confundiu-se ao problema e simplificou a resposta por meio de uma identificação com o "eu" gramatical. Ele não precisava de tantos rodeios para saber disso, qualquer pessoa saberia. Ele apenas sistematizou o que todo mundo já sabia intuitivamente. Com isso ele descobre a existência do ego, mas não chegou nem perto de tocar a realidade do ser. Por isso ele o espiritualizou, como o bom cristão que era.
Sei que existo, mas não sei até que limite vai esta existência, qual sua qualidade, até que ponto sou este corpo e estes pensamentos, se existo para além do que penso, vejo, ouço e sinto. O saber não me leva a nada, e os sentimentos não me informam de nada além da sensação que proporcionam. E estou perdido...
Há momentos em que, por influência de alguma magia astral, todo eu me sintetiso numa espécie de delírio, e a existência, minha existência, parece ser fruto de uma loucura, um erro, algo que não deveria ter sido, como se o fato de eu existir fosse um castigo no qual estou preso em meu próprio ser. Nessas horas sombrias sinto-me uma espécie de deus insano, perdido em sua própria existência criativa...