A Proteção da Chuva
A proteção da chuva
Desde criança sempre senti algo diferente em relação a chuva, nunca entendi bem o motivo, até os relâmpagos rasgando o céu me atraíam. O fato de estar chovendo lá fora sempre me deu uma sensação de proteção, refúgio, uma espécie de liberdade que justifica ações do tipo: faltar da escola, ficar até mais tarde na cama, tomar sopa quente, tomar café acompanhado de bolinhos, fazer uma maratona na série preferida, fazer palavras cruzadas. Quando chove lá fora, minha casa se transforma na fortaleza da solidão onde ninguém penetra, onde os ruídos do mundo lá fora passam despercebidos através das gotas que escorrem pela janela. Nessa intimidade reconfortante posso ser eu mesma, sem disfarces, sem maquiagens, sem cobranças, somente eu e meus pensamentos correndo livres. Nessa hora também penso no passado e nas pessoas queridas que se foram, meu pai estaria ouvindo seu rádio de pilha compenetrado num canto da sala, minha mãe estaria fumando seu cachimbo escondida no banheiro, apesar da gente saber e nem ligar, eu e minha irmã estaríamos brincando e brigando pois era assim que a gente se amava, enfim, o passado também é como a chuva que vem e vai, deixando apenas o rastro suave de seu perfume no ar.