EU E O TEMPO

 

 

Vejo-o voando até mim e o que poderia dizê-lo? Que ninguém me disse quando deveria começar a correr? Que ninguém me disse que eu deveria alcançar o sol e toda a sua glória? 

     Odeio ter que falar tudo que penso, assim como odeio ter que pensar tudo o que falo. Por muito tempo achei que me expressava melhor na escrita do que na oratória. E minhas expressões faciais, minhas reações, respondiam com a prudência que minha voz não tinha. E por conta disso, resolvi levar adiante e tirar do travesseiro e dos devaneios no meio da tarde e colocar na vida real.

     Escrevi tanto cansaço, andei tantos verbos, pisquei meus olhos incontáveis vezes, e em minha vulnerabilidade esqueci da agonia que é lembrar de respirar. Li os livros que fui pedido, li os livros que gostei da sinopse, li os livros que achei importante para a construção de meu caráter e de meu sonho, e li os livros que gostei da capa. Conheci músicas e seus compositores, e me apaixonei pelas músicas de quem estava morto há anos. E sonhei. Sonhei com as lágrimas que tanto desejei soltar, sonhei com constelações inteiras, sonhei com rostos que não lembro ter visto e sonhei com rostos que amei por uma vida inteira. Veja bem, cada dia de horas tediosas, esperando qualquer chuva mudar meu humor e todos os desejos que carregava antes mesmo da idade pesar minhas costas, eu me arrependeria se tivesse feito qualquer coisa que não quisesse. Ou talvez não. Essa é uma dúvida que até aqui estou tendo, vendo-o voar lentamente, mas sem dificuldade alguma. Suas penas eram negras como as noites que tanto amei acordado; noites vivendo e andando por todos os lados com os anjos que fumavam seus cigarros escondidos de Deus. Sentado no banco duro da serenidade, diante de uma página que poderia ser preenchida, penso nesse desperdício. Talvez eu não tenha mesmo nenhum arrependimento sobre o que não fiz, sobre o que deixei de fazer, sobre o que desisti. Talvez eu me arrependa de ter chorado menos, de ter falado menos, de ter feito menos carinho em quem sempre esteve ao meu lado. Mas essa corrida, esse desespero de tentar ultrapassar os ponteiros, e cada ano novo parecia ser menor que o anterior, são as coisas que eu nunca depositei a devida importância. Tentei ser leve, tentei escutar com mais calma e não poupar meus verbos, ser o mais esclarecedor possível nos sonhos que cultivei mesmo sabendo o quão cansativo pode ser correr atrás do próprio sol. 

     E o sol continuou o mesmo, e nós envelhecemos em seu lugar. O sol que aqueceu os primeiros seres terrestres, que foi temido antes do cristianismo, que exilou Galileu, que Alexandre, o Grande, não conseguiu conquistar. O sol que levou Ícaro ao seu trágico e último momento.      

     Então o pássaro preto pousou ao meu lado. “Podemos ir?” Ele me perguntou assim que se aproximou o suficiente. Sua voz era grave, e notei que um universo refletia em seus olhos tão negros quanto suas penas; o primeiro alvorecer e o último crepúsculo que já vi.

     “Tenho outras opções?”

     “Paciência,” ele me respondeu, e eu pude sentir um certo deboche; um tom de graça naquelas palavras. Ele sabe do passado e do futuro de cada criatura que existia e que viria a existir. Ele sabe do nascimento de cada planeta e a morte de cada estrela nesse vácuo imenso de escuridão. E ele sabe tudo o que eu preciso dizer. 

     “Agora realmente parece que eu tenho o poder de escolher.”

     “Mas você sempre teve. E você sempre escolheu.”

     Nisso abaixei minha cabeça, lembrando de momentos específicos que me deixaram igualmente confuso.

     “Está pronto?” 

     Respirei fundo antes de responder. As constelações me encaravam, pois agora eu sou minha alma. “Gostaria de poder dizer que sim,” por fim levantei minha cabeça. “Mas você já sabe da minha resposta, senão não teria vindo até aqui. Não teria trilhado todo esse caminho.”

     “E o que você quer, criança?” 

     “Descansar.” eu respondi. “Sem o peso da consciência.” 

 

Cleber Junior
Enviado por Cleber Junior em 15/02/2023
Reeditado em 13/03/2023
Código do texto: T7720116
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