efêmero

Cortei o cotovelo hoje, me senti vulnerável, não que antes já não fosse. Me deu um repente, desses que dá quando a noite deita, "e se eu tentar violão de novo?" era de dia pra tarde, escorreguei no banheiro molhado, o reflexo, por algum motivo, me fez colocar o cotovelo pra aparar o impacto, mas não, não vou tentar violão de novo. Fiz aula uma vez, na verdade várias vezes, meu professor era um monge hindu, sério. Ou alguma coisa do gênero. Ele tocava bem mesmo, executava com precisão qualquer peça erudita e do nada tocava uns mantras que me deixavam "uau". Na época eu queria tocar Beatles, e ele não entendia porque minhas falanges não obedeciam, não conseguiam apertar as cordas direito, não conseguia parar de estancar o sangue. Pingou uma gotinha no piso do meu quarto recém limpo, quase como uma profanação, uma piada ao brancazulejo. Por incrível que pareça eu estava pensando em você na hora, na hora em que escorreguei meus dedos e fiz soar meu primeiro acorde. Foi um dó, eu acho. Agora só falta aprender o resto, aprender... aprender. No fim eu acabei desistindo, parando de ir as aulas, não aprendi Beatles, ficaram só os nós nos dedos e o corte no cotovelo, mas isso foi hoje, o corte. Daqui pra manhã já estou bom de vez. Li que a própria pele trata de regenerar o tecido lesionado, hoje não tem nem sinal mais dos calos nas pontas dos dedos, nem lembro se ainda sei fazer um dó. E amanhã o corte no cotovelo já vai ter sarado, aposto.