E.

Em teias, telas, lenços eu, bicho bípede, me enrosco, me enlaço num embrolho, um bolo de fios e sufocos que me penduram a carcaça troncha que balança sem medir os movimentos, calcular a precisão, vai com a brisa e o vento, sem nenhuma previsão.

Areia movediça de tecidos e os braços doem. Nadar no ar é sim patético, me cubro mais. Um ser tão pérfido merece bailar em lençóis brancos, quase tão desnuda quanto Afrodite? Para lá e para cá no centro da lona, não há plateia, o palhaço morreu, a palhaça sou eu. Sou pomba que anseia sair da cartola, que avisa o milagre ou pássaro qualquer e asa que bate? Estou mais perto do céu.

Então me diz, Senhor, se não fosse apenas meu cabelo? Se fosse todo o meu corpo entregue a ti, oleiro ambulante, entregando meu espírito. Se não fosse apenas os pés, mas também os joelhos? Vossa Santidade, mandavas-me para outro lugar teu e assim eu me sentiria em casa?

Leve-me através dos cometas, dos riscos brilhantes. Se eu pudesse ficar náufraga no universo, boiando sem gravidade e virasse uma estrela que reluz futura, não me sentiria somente uma refém errante.

És Lua por que brilha? Cintila? Ilude? És Lua por que é tonta, comum, cativa da solitude? És Lua porque é imensa, não brilha, mas existe. Nasce na penumbra, mas resiste. Se corta algumas vezes e mingua, cresce, rejuvenesce, enche.

As linhas são os gritos que me envergonha de dar. As gotas o transbordo da dor.

Se liberta. Liberte-se! Pois não existe ninguém além de si.

Como um lustre de casa velha e abandonada: valioso e esquecido, empoeirado, dividido; pedaços que faltam, mordido. Assim sigo.

Lua de Ébano
Enviado por Lua de Ébano em 03/02/2023
Reeditado em 16/02/2023
Código do texto: T7710934
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