O tempo da virada
Os cacos estão pelo chão...
São milhares...
Como reverter aquilo que lhe magoou?
Eu nem vislumbrava os estragos.
Na minha imaturidade não os via,
crescendo nas sombras da sua mente infantil.
Na verdade, eu era uma menina também
e tinha meus próprios machucados.
Tratei-os sozinha, na escuridão das noites
chorando baixa e longamente
com a resignação que nunca deveria ter existido,
fruto de uma educação reprodutora dos conceitos
que tentavam, a todo o custo, amordaçar a boca
e apagar a luz que, vinda da alma,
naquele momento era frágil mas teimava em sobreviver,
em apenas, ser.
Nem era dor a dor que eu sentia
porque não tinha permissão nem para ser dor
o que me sufocava o peito e lacerava a carne.
Formaram-se as cicatrizes e elas me constituíram o caráter.
Aos trancos eu caminhei e carreguei você no colo, sempre que pude.
O amor servia de bálsamo para as ausências
mas não foi suficiente, vejo hoje, para não deixar aumentarem as sombras...
Ainda estou aqui, onde sempre estive.
A porta sempre aberta, para acolher sua vida em meus braços.
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Mais uma jornada, hoje.
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Escancare as janelas, arranque as cortinas,
vomite o que asfixia o espírito,
banhe-se em descarrego dos traumas, dispa-se do que lhe pesa os ombros.
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Estarei no portão,
ouvidos atentos, coração descompassado,
fitando a esquina com olhos marejados...
para enxergar em você
suas potentes e luminosas asas.
Juiz de Fora, 05.01.2023