26 de dezembro.

"Se a dose aumentar, a radiação começa a atingir outros tecidos humanos, em particular a medula óssea, responsável pela formação das células sanguíneas. 'Em 30 dias a pessoa se torna anêmica e incapaz de se defender contra doenças' "

Me envieso, radioativo, coração de chumbo.

Esgueiro sob os restos da ceia

Os dias depois

Os ossos

Me sinto bonito como poucas vezes

Me imagino lendo aquele da Matilde pra você

sobre atravessar a cidade pra te ver dançar

Imagino você mal iluminada pela tela do celular

Imagino o quadrado recortado da sua janela

E você sorrindo feliz como um presépio vivo

Jogo as sobras no lixo.

Assisto mais uma vez a live de natal do Caetano

Vou deitar mais cedo, tento ouvir um podcast qualquer, desses que não tem nada ver comigo, pois se tiver a remota memória de mim, também vai ter de você.

Li que hoje, nesse mesmo 26 de dezembro de muitas décadas atrás, Marie Curie a cientista, isolou o rádio. Lembro de uma aula de química , meu professor falava que depois da morte dela (leucemia) encontraram vestígios de radiação até nos livros de receitas.

Uma coisa assim que impregna,

que aquece e mata devagar.

Um miasma que é só meu.

Acordo de madrugada, suado. A cicatriz na minha perna arde sem motivo nenhum. Não sei se é uma reação ao movimento das placas, as dobras no tempo, a deriva das marés, não ligo. Não estou com cabeça pra interpretar sinais vindos de outros lugares, ditos por quem eu não consigo entender.

Tomo um copo de leite

Deito, leito, durmo.