Quando não me encontro neste mundo, o que já se me tornara quase hábito, reconstruo-me reapropriando os alicerces episódicos que sempre consigo restaurar em face das lembranças da minha infância, que, aliás, considero ditosa. Não se sustente, todavia, certeza de que alguns destes escritos restrinjam-se à tal fase. Cada momento, aqui restaurado ou reinventado, talvez não exista ou ganhe vida apenas dentro de um mundo criado ou recriado por mim, seja ele real ou fictício – também não sei ao certo. Prefiro a dúvida, a reabertura imaginária de um mundo confortante, utópico talvez... mas que conserve a ludicidade do pensar solto que me mantém um pouco ainda menino.

 

Que se sigam os caminhos cujos tons e traçados figuram-se coloridos pela fantasia e criatividade que só um garotinho poderia ter, um menino sem idade. Não estou apontando este como fase traçada no relógio, mas como uma inexperiência atemporal. Também não estou apontando ao leitor que ele siga uma realidade já vivida, revivida talvez, ou recriada. Poderão estes rascunhos enferrujados adquirir quaisquer caminhos de percepção, literária ou não, mas, decerto, eles ancoram-se na necessidade e ânsia de me sentir previamente feliz, como em outrora.

 

Não se permita, ademais, desvendar estados-relógio que se mostrem entrelinhados, pois até esse “Eu” confunde-se adentro; embaraça-se em tempos, numa tentativa de se esconder e se redescobrir por meio de sensações cujos instantes estão e não estão em sua ora escrita.

 

Entre caminhos e descaminhos, permitam-me distrair a imaginação com episódios vividos por meio desses contos e relatos contados como um refúgio em momentos concretizáveis para um eu sonhador, solitário, e, por vezes, triste com um mundo realista-sombrio. Contudo, torna-se desnecessário que se busque essa verdade mundana, que aqui não é priorizada justamente para que se permita o desencadeamento de uma imaginação e um reviver de si mesmo, sobretudo, de desapropriação do mundo.

 

“Era uma vez...” sempre me vem à mente como um método-ponto-de-partida para um resgate do que vivi e, sobretudo, do que não vivi ou vivi em sonho. Trata-se de uma introdução reflexiva que me leva ao imaginário, recria e restitui a esperança por meio de estórias que poderiam, com isso, tornarem-se histórias vivíveis. E, por que não?, deveras vivíveis dentro de mim...

 

Eu vou seguir em prosa para não correr riscos de me perder pelo caminho, pois os versos são construções avançadas, atributos dos grandes. E eu sou pequeno e me construo em riscos retos, a garantia de caminhar, seja cego, mas sempre em traços retos para que se perder seja apenas uma brincadeira de criança...

Kélisson Gondim
Enviado por Kélisson Gondim em 21/12/2022
Reeditado em 18/11/2023
Código do texto: T7676607
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