Submerso no Nada
em Mergulhado nas profundezas do nada busco na música um fundo para dramatizar ainda mais o drama em que me vivo. Escolho Yann Tiersen - Naval, melodia serena, delicada, singelamente adocicada de tristeza, dona de uma melancolia reflexiva, perfeita para o estado em que me encontro. A melodia traz, de algum lugar inexistente, um sentido para o vazio de mim mesmo. Sim, hoje sou um romântico incurável, um artista plástico da alma.
Para cada estado de alma carrego um traje, um personagem, uma linguagem, um ser. Sou muitos em nenhum.
O que são para mim agora aqueles vôos ególatras de minha vaidade filosófica? Nada significam. Não passam de palavras meladas de acidez, pensamentos de uma criança criada por pais megalomaníacos. Que importa o conhecimento! Tudo é nada. Tudo cai em esquecimento. Que desabe o mundo com suas verdades e mistérios! Tudo vai ter que desabar. No fim, apenas o nada é imutável. O nada que é tudo.
Lanço um olhar sem olhos para o passado que não há, para o outrora outro que julgo ter sido, e vejo que a lembrança, trajada de nós, não foi nem está, é coisa nenhuma, impressão de paisagens falsas. O que é o passado? Um recorte, uma tradução do mundo reduzido a traços mentais. O que foi é pura ilusão de ótica da consciência, o instante é sempre o mesmo em essência. Um instante, um ato, indivisível. O que passa fica, o que fica passa sem nunca ter começado a passar. Paradoxo dos paradoxos.
Somos crianças a brincar de sonhar, cremos no que julgamos ser a verdade para fazer o sonho durar. Este pequeno centro de perspectiva que chamamos de "eu" é nossa crença mais forte e popular, nosso mais antigo artigo de fé. Cremos mais em nós do que em Deus. Mas, Ah! se por um instante apenas nos desprendêssemos da ilusão das palavras e da memória! Se pudéssemos distanciarmo-nos do que nos supomos ser! Então, com assombro e glória, veríamos o Instante, o abismo do enigma existencial. Talvez a ilusão seja necessária para nos conservar, e quem visse, por um lapso de tempo, o Todo, enlouqueceria na rede de relações interdependentes da multiplicidade. E quantos, talvez, todos eles loucos, já não tenham se desfragmentado na visão sublime e aterradora do conjunto total das coisas!
A verdade, talvez, não possa ser contemplada senão pelo prisma do sentimento místico que ecoa longínquo do abismo da alma. É para lá que sinto estar indo. Já estou irremediavelmente perdido, rumando para o abismo. Há muito que deixei de ver o mundo como uma coisa objetiva. Pressinto, como um presságio, a grande Hora. Estou só com o mundo dentro. Se um dia eu sair a correr pelas ruas gritando ser Deus, não julguem, enlouqueci, pois talvez eu seja mesmo...