LINHAS CRUZADAS

Eu espero pacientemente todas as manhãs por uma prova de amor que há muito se esqueceu, não, não faz tanto tempo assim, me lembro como se fosse ontem!

Aguardo ao lado da cabine telefônica o seu toque trazer a grande notícia.

Assim passaram-se os dias, passaram-se as noites, as folhas caíram, mas floresceram as campânulas, o frio congelou os desabrigados, possivelmente congelou até a mim, o sol reaqueceu a terra, mas não apreciei o renascimento das flores, nem corri nos campos durante o verão.

Permaneci ao lado do telefone, aguardando a ligação.

Mesmo no frio, mesmo na chuva, mesmo no sol, permaneci plantada ao lado da cabine.

Esperando uma ligação que nunca veio.

Eu sigo a esperar, mesmo agora que não existe mais a cabine, mesmo que a rua tenha mudado um pouco, me mantenho de pé e me recuso a abandonar a esperança, só que agora já não me lembro bem do que.

Não me recordo àquilo que espero às vezes... Mas ainda estou de pé, aguardando.

Aguardando...

O que estou aguardando mesmo?

Havia uma coisa muito importante neste lugar.

Às vezes sinto algo, mas normalmente não sinto nada, já não sinto nada há algum tempo. Meus pés estão brancos de ficar de pé, mas não consigo me sentar.

Na maior parte do tempo as pessoas me ignoram, parece que nem estou lá, mas ultimamente vejo esta moça que insiste em me perguntar por que estou aqui neste lugar, mas não sei mais a resposta, e acho que me esqueci também de como falar.

Ela insiste em vir toda tarde, o sol quase posto.

“O que você está esperando?”

Eu não sei responder.

Ela me pergunta há quanto tempo estou aqui, mas não sei dizer.

Já não sei se gosto dela, mas não sinto nada diferente.

Não sinto nada, poderia muito bem desaparecer.

Mas também não desapareço, continuo existindo. Continuo existindo? Também não sei dizer.

Eu espero pacientemente por uma coisa, mas não me lembro muito bem o que era. Será que se passou muito tempo? Será que o tempo passa, na verdade? Pois para mim, o tempo parou.

O relógio não se move mais.

Eu percebo agora que não se move mais.

Subitamente um som, eu conheço esse som, sim! Esse é o som que estive esperando, mas da onde? Onde está o telefone?

A cabine sumiu! Como vou encontrá-lo?

Viro-me e procuro, mas não vejo nada, só a escuridão. Então sinto um toque em meu ombro, depois de esperar e de nada sentir, finalmente, finalmente chegou a hora.

Ali está ele, de volta ao lar, não do jeito que esperava, ele estava bem mais velho, mas eu sei que é ele, não poderia deixar de reconhecê-lo, eu estive esperando.

Eu estive esperando sua chamada, como prometi.

Ele parece tão triste, diz que sente uma culpa imensa, mas não sei de quê. Não me importa mais o tempo, se passou ou se parou.

Não me importa mais nada além de estar ali com aquela pessoa, que eu tanto esperei.

Mas existe outra pessoa ao lado dela agora, alguém que não conheci. Os dois partem juntos em direção a uma luz que não me atrevo a seguir.

Eu devo ter me enganado.

Deve ser outra pessoa. Não há como ser ele, pois ele esperaria por mim, assim como eu esperei por ele. Ao menos recordei meu propósito, sim, este engano serviu para me lembrar de quem sou. Aquilo que espero.

Eu espero pacientemente todas as manhãs pela ligação do meu amado, avisando que já está voltando e que já podemos nos casar.

Rosa de Almeida
Enviado por Rosa de Almeida em 23/11/2022
Código do texto: T7656377
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