Ambivalências do amor

Ambivalências do amor

[...] “não é ansiando por coisas prontas, completas e concluídas que o amor encontra o seu significado, mas no estímulo a participar da gênese dessas coisas.” (Zygmunt Bauman)

Amar é exercício de ambiguidade. Ao passo em que busca a completude, necessita que um vazio por vezes se instaure. Só se ama na falta? Ou se aprende a querer o que se tem para que o desejo fomente o que se pode chamar de amor? É fato que é muito fácil almejar o perfeito, isto é, aquilo que está pronto. Mas, um escultor retira da pedra bruta sua arte pelo movimento da constante lapidação. Se um poeta é um fingidor, ele precisa fingir a matéria grossa das palavras, da amante. Dinamita-se, então, a dinâmica dos relacionamentos.

Nesse ensaio, há apenas a tentativa de colocar em pauta o jogo de (re)construir situações e ter o cuidado para não sabotar o processo. Não raro, parece inviável aos amantes um vínculo que seja real. É porque é tão frágil a atmosfera que suspendemos o êxtase como se quiséssemos guardá-lo. Na tristeza, expande-se como se, assim, pudesse ela ir embora. Como reconhecer que essa ansiedade de viver não é descrença em si mesmo? Não somos nós merecedores dessa pulsão de vida, nas acepções diversas para além do Eros? Eros, ironicamente, expõe a face mais e mais – fora do mito original. E é a Psiquê que se retrai na ficção e na realidade. A cera quente cai no ventre inseminado.

Nesse contexto, o medo não deve ser paralisador, mas apenas um sinal de prudência e de respeito para com o outro e consigo mesmo. Não se deve esquecer da conservação da subjetividade para que cada qual seja livre à sua maneira, ser gente, ser pessoa, ser autêntico. E é essencial termos alguém que nos atualize, nos autentique a cada dia, visando nos tornarmos não menos do que aquele que somos, porém ainda não sabemos sê-lo. Na verdade, é esse alguém que esperamos, alguém que nos seja farol, quando apagados. Bússola, quando a nossa rosa dos ventos interior estiver quebrada. E estrada segura em momentos em que o atalho nos desviou para caminhos de pouca ou nada sobriedade.

Por isso é tão vão o controle sobre os nossos afetos. Não há como nos manter blindados quando constantemente o que desejamos é ser atingidos por algo que nos dê um significado e nos ressignifique. Nossos subterfúgios diversos. Nossos versos de fuga. Nossa fuga em versos. As somatizações do campo minado do amor nos conduzem a uma trincheira ilusória. Versáteis sensações que nos faz querer a morte quando a vida clama por alguma justiça. Tudo é vago porque vaga em nós alguma coisa que ainda não conseguimos assimilar, cujo nome se desconhece. Só podemos nos consolar pela linguagem. Mesmo analfabetos sabem que a dimensão dos significados só é alcançada quando o verbo é conjugado de acordo com o nosso tempo, modo, pessoa.

Ressoa. Que som é esse? Que melodia guia minhas mãos enquanto escrevo? Amor sem paz não é amor. Embora o sofrimento possa erigir sei-lá-o-que ou cá-bem-sei-o-que, há em rupturas um certo refazer-se que precisamos (des)cobrir. Nessa ambivalência, revela-se que, quando a gente assume que perdeu, então passamos a ganhar. Enquanto isso, o que se seguem são os passos, mecanicamente, de por onde o outro vai para onde ele for. Não se consegue ouvir a música que a faz lembrar, e o sangue se atordoa porque antes se enlaçou. O que dói é a desconstrução de todas as expectativas, pois criaram-se sonhos e transcendeu-se a fronteira do mágico – num mundo de fragilidades é fácil demais idealizar e é bastante difícil demolir os desejos. Mas, em vez de se gritar, pode-se atribuir uma importância aos fatos sem que eles nos impeçam de andar. A vida é movimento, sem este é apenas existência.

Leo Barbosa é professor, escritor e poeta.

(Texto publicado em A União em 18/11/2022)