O escritor é um fracassado

O escritor é, sobretudo, um fracassado.

Ele teve que falhar em outros campos para obter o sucesso na escrita.

Quando a medicina, profissão tão nobre, foi incapaz de curar as próprias dores. Ou advogar às vítimas injustiçadas de um Estado cúmplice da violência. Mesmo sendo licenciado, ele age como um mágico charlatão de um truque só. O escritor dá-se, enfim, por um egoísta quando percebe que a cólera do mundo não poderá jamais ser apaziguada por sua formal profissão; aquela que na faculdade tanto foi instigada, ou dentro de sua família pelos cantos das bocas que todos nos obrigamos à sinceridade da alma.

As noites também o serviram ao fracasso, quando os acontecimentos foram opostos ao roteiro imaginado. As tardes se passaram sem notável presença. Mas e as manhãs? Café e contemplação, e de uma a três horas em pé no transporte público para, quando finalmente em casa, soltar os verbos antes mantidos em cárcere mental.

Mas nem todo fracasso parte majoritariamente do escritor. Há algo dentro dele que, muitas vezes, se recusa à mostrar-se. As lágrimas presas, então, se tornam versos e predicados, pois as únicas manchas aceitas são as de vinho, café e gozo.

Ele falhou, também, em suas relações pessoais.

Ele falhou em manter amizades, talvez por desgosto de alguma frase ou opinião divergente sobre qualquer assunto possível. O escritor mantém a certeza e o orgulho acima da cabeça dos outros, não o interessando o valor do produto.

Ele falhou em relacionamentos familiares, mas é claro. Que emprego é este que não dá dinheiro? Uma aventura entre verbos e advérbios, sujeitos e predicados. Ele se afastou, pois precisava de tempo para ler e para escrever. Ele se afastou, pois os estudos lhe revelaram coesão. Ele se afastou, pois aprendeu que seu mundo não precisava se adaptar a outros.

Ele falhou em relacionamentos amorosos. Que seja de um encontro casual; aqueles de uma noite só, de uma semana só, de um mês só; ou de longas primaveras, passadas então da descrição mais púrpura a que hoje o bege se tornou de melhor escolha.

O escritor é, sobretudo, um fracassado.

Pois é dessa coleção; de currículos sem respostas, de ligações nunca efetuadas, de demissões amorosas, que nascem textos como este.