ESTAÇÃO
Quantos sonhos restariam do muito que poderiam haver feito durante os alegres dias de primavera em que caminhariam de mãos dadas, com o peito repleto de planos e a longa estrada da juventude pela frente?
Quanta audácia restaria do sentimento rebelde que insistiria em romper as barreiras das concepções até instalar-se definitivamente entre seus lábios, tantas vezes, indecisos?
Quantas frustrações permaneceriam arquivadas como cicatrizes de equívocos nem sempre evitáveis, localizados em pontos acessíveis, mas interditados pelos receios calados?
Quantos caminhos seriam revisitados ou descobertos, despretensiosamente, como quem descobre a mais rara flor em uma paisagem inóspita e secular?
Quanta apreensão fluiria entre as pedras de uma montanha íngreme chamada “Superação”? Seus nomes talhados em árvores graciosas, testemunhas do desejo ardente. E todos os possíveis clichês de duas vidas que se colidem e entrelaçam nas linhas do amor...
No entanto, nada disso houvera, nem uma singela saudação ou qualquer mínimo esboço de uma frase. Porque embora a vida toda eles estivessem nos mesmos lugares, seus olhos sempre fitaram lados opostos: os pés, apressados, perseguiram ilusões distintas, as mãos – cansadas – não abriram as portas do encontro na hora exata, suas bocas nada disseram quando se podiam fazer escutar e os ouvidos colheram poesias de outros refrões. Suas costas resvalaram-se rapidamente, porém o toque foi mais sutil que o preocupante pensamento daquele instante de distração. Não escreveram uma história juntos, ainda que possuíssem a mesma seiva de vida a percorrer-lhes a existência. Habitantes do mesmo planeta, a lamentar mágoas parecidas, a desfrutar prazeres semelhantes, a deslizar sobre os mesmos trilhos do cotidiano. Sempre próximos e desconhecidos, nunca souberam que morreram no mesmo dia, no mesmo acidente, naquela estação.