Quero um dia só meu

Quero um dia só meu.

Que eu possa acordar sem despertador, comer quando tiver fome e dormir quando tiver sono. Que o único relógio que me guie seja o do meu corpo.

Quero um céu muito azul com algumas altas nuvens brancas: leões, carneiros, anjos e mapas diversos. Quero flores e beija-flores, cheiro de pão assando e uma relva sem formigas para andar descalça.

Um calor brando de abril.

Quero o mar de Cabo Frio nas areias de Natal, de onde possa ver o casario de Parati sob o sol de Fortaleza.

Quero atravessar a Ponte Vecchio para me perder beirando os canais de Veneza, de um lado a Fontana di Trevi e de outro as ruínas de Pompéia.

Quero tomar um tacacá na esquina, antes da chuva, e ao entardecer , com cheiro de lenha, um chá colonial mirando trigais pela janela embaçada pelo frio.

Quero nesse dia não ter telefone: que minha profissão seja viver e que meus conhecimentos técnicos sejam suficientes para fazer isso de forma plena.

Depois de ter apenas vivido, junto com a penumbra do anoitecer quero reunir todos os meus amigos e todos os meus amores, num congraçamento de almas jamais visto. Que a noite entre plena, cheia de estrelas (visíveis), e se não for pedir muito poderia haver uma lua cheia também.

E fogos de artifício.

Nessa noite, ao ar livre, comemoraríamos a vida; como faziam nossos ancestrais quando a colheita era farta ou a pesca era muita. Meus amigos trariam seus amigos, meus parentes trariam seus parentes e fecharíamos a rua, o bairro, a cidade. A alegria seria real, não haveria necessidade de nos embriagarmos: cantaríamos, dançaríamos e nos abraçaríamos, celebrando o fato de estarmos vivos.

Certamente, no dia seguinte, a vida não seria mais a mesma.