antes de dormir
Fui uma criança privilegiada, não nego. Apesar das costumeiras dificuldades externas, meus pais sempre me deram espaço e voz. Cresci com os ensinamentos da conversa. Em ter o diálogo ante a violência. Mas talvez, por conta de tamanha preferência à racionalização, meu lado emotivo não cresceu tanto quanto gostaria.
Pego-me muitas vezes sentindo raiva de pequenas coisas. A conversa falha, o verbo ataca e as expressões magoam. E a tristeza não demora a vir, conforme a cólera avassaladora se esvai. Os dias se passam e meus olhos pesam de hora em hora cada vez mais e mais e mais, e nisso decido ficar mudo por um tempo indeterminado e em situações semelhantes quando se repetirem, pois tenho a certeza que irão.
Meu caderno se torna um recipiente de palavras confusas e frases sem coesão, orações subordinadas ao choque de distintas emoções tentando coexistir. E minha mão dói pelo tempo que passo escrevendo, assim como a culpa do ócio e das horas rejeitando o que sou.