O PIANO
Eu tocava piano. Um daqueles luxuosos, pretos e elegantes, no meio de um grande casarão, tão silencioso quanto à própria solidão. Não pegava pó, porque a empregada limpava todo dia, sem emitir um som de suas teclas, sem poder ouvir o que aquele piano diria. Aquele lugar sempre foi sozinho e, mesmo que antigo, parecia novo como o presente.
A minha aparência era quieta; no entanto, minha garganta, por dentro, cantava em voz alta. Meus sapatos ecoaram pelo casarão numa certa vez. As janelas permaneciam fechadas, as paredes mudas, o teto não caia nem voava, era tudo no seu devido lugar, assim como meus dedos deslizando pelas teclas daquele piano em questão de segundos.
Fazia tempo que eu não te tocava, querido, e que não ouvia teu som, som de tudo aquilo que eu não te fiz dizer. Mudei-te. É tão bom poder voltar depois de um tempo cheio de silêncio e de saudade, enquanto minha mente tanto cantava e tu pedias por sonoridade. É que fazia tempo que eu não me tocava, que eu podia tocar no silêncio, estourá-lo. Eu sabia tocar piano.