BICHO NO CIO *
O corpo espreguiça memórias. Sonolento, abro a porta do quarto. O sol está dentro de mim e a manhã penetra os poros.
O coração é o mesmo em qualquer idade. Usufrui de autonomia à revelia de solilóquios, cismas, vontades. Em verdade, ele é o dono da vida.
A carruagem tem cavalos alados e monto o destino como um cata-vento de açúcares.
Teus alvos dentes mordem maçãs, num ritual de vestal e rainha. Enche os pulmões de desejo que vou chegar com fome. Por vezes, confesso, sou antropofágico.
Poesia é lençol sobre o corpo necessitado de tatuagens. Por vezes, o poema é o coito não concedido.
Motivos estremecem peito e torso. Ladeira abaixo, que o amar faça o ápice; aplaque o latejar na língua, nos dentes.
Cavalga-me, arfante, o que em mim não pensa. A dor exaurida no ventre varre tudo que antes parecia presença. Volto a colocar a camisa do pijama e guardo a ideia, essa incorrigível delatora, enquanto labaredas dançam.
Prefiro morrer a cada vez que o amor vem, porque ele consome o dia. Faz algum mal ser de cama, mesa, palavra?
MONCKS, Joaquim. A MAÇÃ NA CRUZ. Obra inédita, 2022.
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