Por entre as janelas entreabertas espiava o movimento da rua, especialmente, ao som de disparos de tiros. E, ainda havia a persiana lilás, a fatiar a realidade e, ainda, evitar que o sol impiedoso nos acordassem. O preço da liberdade é a eterna vigilância. Vivíamos na dialética do medo, a violência urbana, a criminalidade, a contundência da bipolaridade ideológica e tirania do politicamente correto. Em pensar que desse lado de dentro, pode-se ver, enxergar, porém, restamos apassivados e inertes. Nem a consciência ou silêncio ousaram ir além das frestas da janela. A verdade fissurada procurava o consenso e, uma conciliação mítica, pois a narrativa sobrenatural só nos deixaria ainda mais reles. Meu Deus! Agora se aproxima mais uma tempestade com suas pesadas nuvens que iriam lavar, inundar e arrastar almas, terras, pedras e pessoas. As enxurradas de março produziram vítimas e vaticínios. Aqui da janela, a tragédia parece ter seu ritmo e existência própria. Talvez digerir uma parte da realidade nos ajude a ter alguma maturidade e, enfrentar os medos, a violência e, finalmente, sobreviver. Quanto a liberdade vigiada? É melhor viver, sinceramente, no catre do que fingir que é livre. Daqui em meu secreto observatório presencio os ciclos a se repetirem e, a semântica fracionada nos leva ajudar entender a humanidade aos poucos. Tudo o que temos, é uma porta entreaberta.

GiseleLeite
Enviado por GiseleLeite em 23/09/2022
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